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A chegada da CNN Brasil

Por Jorge Maranhão

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Os telejornais da extrema imprensa são autistas na sua relação com a realidade brasileira. Só colocam em pauta assuntos que afetem e desgastem a autoridade do novo governo: é rachadinha de assessor do filho do presidente, queimadas na Amazônia, intrigas com ministros, alegadas relações com milicianos, apologias a torturadores, preconceitos os mais diversos, falas desencontradas.

Como para a maioria desses jornalistas, o governo não lhe agrada, repetem ad nauseam essas meias-verdades, quando não simples mentiras. Mas a maior “delação” premiada, a do ex-ministro Palocci revelando com minúcias as fraudes em série contra os recursos públicos e contra a democracia, estas passam quase que em branco para os maiores veículos da extrema imprensa brasileira.

Como tenho defendido a tese de que o maior problema do Brasil se dá no campo simbólico da cultura, de nosso imaginário barroquista, nossa incapacidade em discernir o fato e a farsa, quando as próprias campanhas desses veículos contra as chamadas fake news são uma farsa do velho boato, a intransponível dificuldade em combater a cultura de impunidade, dá para entender, enfim, por que o Brasil não deslancha.

Se a condição para o progresso de um país é a união de suas elites por um projeto de nação, no Brasil não temos elites, mas, de um lado, arrivistas mamadores das tetas do Tesouro, para não falar de velhos políticos organizados em quadrilhas de assaltantes do Estado e, de outro, um bando de esquerdistas carnívoros ou veganos de artistas, intelectuais de ofício e jornalistas donos da verdade.

No mundo acadêmico tudo é pretexto para se atacar um governo legítimo eleito pela maioria da população brasileira composta de conservadores tementes a Deus e de trabalhadores e empreendedores por conta própria, que só nos últimos tempos souberam que são liberais.

Mas no mundo das artes e espetáculos e do jornalismo da extrema imprensa é de doer o apego barroquista pela forma em detrimento do conteúdo. Analise-se seus vídeos, memes, posts e podcasts nas redes sociais e comprove-se que estão sempre a criticar as falas, bravatas e provocações de um presidente que criou um mito exatamente por enfrentar nas caneladas o politicamente correto da hipocrisia esquerdista, até então hegemônica pela chamada “elite” intelectual.

A ponto de se ter diagnosticado uma dissonância cognitiva entre os produtores de conteúdo do chamado Projaquistão, o centro maior da artilharia anti-governo. Pois o seu mundo não é o mundo do senso comum dos cidadãos comuns que votaram pela alternância democrática do poder. Mas o delirante ideal de país do qual só eles, os ungidos da vanguarda revolucionária, têm o mapa da mina.

Mesmo que às custas de perder as boquinhas das verbas publicitárias federais, teimam na insânia de perder até mesmo uma audiência cada dia mais atenta à desconexão entre o país por eles narrado e a realidade cada dia mais crua e redundante das revelações das “delações” e das provas obtidas nas operações das instituições judiciárias e de controle e segurança do Estado.

Mas com esta desconexão resulta exatamente o impasse civilizatório nacional de termos um país dividido entre o bom senso e a razoabilidade de iniciativas e ações iluministas e republicanas de alguns e uma outra parte ainda mergulhada na retórica barroquista de tudo torcer, retorcer, contorcer e distorcer em prol da manutenção da cultura de impunidade, o que trava e retarda a marcha do país para a prosperidade.

Pois a oposição ao governo como obsessão apenas prova o autoritarismo intrínseco da esquerda em não aceitar a alternância de poder com a direita que a maioria votou por experimentar. Pura questão de senso comum e razoabilidade de uma cultura republicana e iluminista.

O que prevalece na extrema imprensa e nas artes continua sendo o barroquismo recalcitrante de considerar brega a pauta conservadora, na falta de não ter o que criticar na essência. Como a praxe da farsa barroquista de trocar o substantivo pelo adjetivo, o assunto pelo ornamento, o conteúdo pela forma e assim indefinidamente.

É cada dia mais claro, no entanto, a total incapacidade dos progressistas de unir os cidadãos em torno de um projeto de país, para a busca de um consenso mínimo de entendimento de que o crescimento interessa a todos independentemente de ideologia. Pois a alegada luta dos progressistas contra os preconceitos conservadores é em si mesma um preconceito.

Enfim, os produtores de conteúdos da grande mídia viraram as costas para o Brasil profundo e verdadeiro. Não vivem no Brasil real, vivem no Projaquistão, como os jovens conservadores militantes com milhões de seguidores apelidaram a Rede Globo nas mídias sociais.

Se a teledramaturgia se arroga como a vanguarda dos costumes nacionais, quando se trata apenas dos costumes singulares de sua tribo de produtores, os jornalistas nunca mais se voltaram a reportar este Brasil real, mas apenas os seus recortes selecionados para negar a própria realidade.

O sintoma autista, aliás, é gritante, pois se tornam a cada dia mais narcísicos do que o mito grego original, tomando a si mesmos como pauta, confundindo entrevistador com entrevistados, numa prova de que deixaram de reportar a realidade dos fatos para mostrar apenas seu delírio autofágico.

Como a série de reportagens sobre os 50 anos do Jornal Nacional não trata da realidade do país, mas da própria trajetória do telejornal. O país se torna, portanto, apenas um cenário e não a realidade a ser reportada. Pois são os repórteres a própria reportagem!

E assim segue nosso lento transatlântico, como figurou o presidente. Só espero que o comandante saiba discernir o tamanho dos icebergs que deve contornar. Pois a imprensa tem o privilégio da proteção da fonte e pode distorcer à vontade as suas narrativas. Assim como os políticos têm o sagrado expediente da imunidade parlamentar, não importa a descompostura de seus atos! E os magistrados a sacrossanta convicção de seu alegado foro íntimo para sua hermenêutica de bolso. E o maroto expediente do sigilo da justiça.

Só nós, pobres cidadãos comuns que lhes pagamos seus altos proventos, continuamos a ser tratados sempre como parva audiência, auditório de idiotas. Enquanto não entramos de vez na era do iluminismo, onde uma outra narrativa virá para concorrer e derrubar a que temos assistido. Com a chegada, enfim, da CNN Brasil.

*Jorge Maranhão é mestre em filosofia pela UFRJ, dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão e é autor de “Destorcer o Brasil. De sua cultura de torções, contorções e distorções barroquistas”

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