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A farsa da terceira via

Por Jorge Maranhão

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A fina flor de nossas elites sociais, sobretudo aqueles que poderiam fazer a diferença como o segmento empresarial, está paralisada na sua potencial ação cívico-política discutindo esta grande farsa da terceira via, criada pela mente barroquista de ativistas midiáticos, jurídicos e intelectuais, todos enviesados pelo rodízio socialista e socialdemocrata das últimas três décadas desta Sexta República de araque.

Nossos líderes empresariais não admitem que caíram na esparrela da polarização inventada pela mente alucinada da retórica esquerdista que, seja de cunho carnívoro socialista ou vegano social-democrata, reduziu o ex-presidiário e o atual presidente a extremos do espectro esquerda-direita da política tupiniquim.

Quando este cenário não existe na realidade. É pura torção, contorção e distorção da realidade, uma vez que os dois personagens, tendo oportunidade efetiva de tentações extremistas, jamais lançaram mão de tais recursos. O que, no entanto, está longe de significar que sejam convictos democratas.

Se a premissa da polarização extremista e populista é alucinada, o seu remédio centrista nada mais é do que um placebo. Ou sem efetividade para a promoção das reformas de que o país necessita. Quando todos sabem que as mudanças que se esperam não virão do presidente eleito sem o apoio incondicional de uma maioria de representantes autênticos e eleitos para o Congresso Nacional, no lugar deste famigerado centrão fisiológico de políticos profissionais e sem voto direto.

Como ocorre com o atual ocupante da chefia do executivo que, desde a Constituição dita “cidadã”, mas prolixa e difusa na partição do poder entre executivo e parlamento, quando não no abuso de poder do judiciário, como vemos agora, acaba por ser obrigado a ceder e recuar nos compromissos com seus eleitores para não ser apeado do poder.

Portanto, ao invés de estarem financiando candidatos novatos para a suprema magistratura nacional, deveriam estar financiando as eleições de autênticos representantes legislativos comprometidos com as reformas política, tributária, administrativa, educacional etc.

Em recente convescote entre líderes empresariais, chamados para debater as candidaturas dos novatos da terceira via, um deles chegou ao paradoxo de pleitear a aprovação popular do melhor candidato entre eles para derrotar o populismo dos extremos da esquerda ou da direita.

Fica a pergunta sobre o divisor claro entre o que ele entende como populismo e apoio popular de que precisa. E onde efetivamente se encontra o chamado centro. Um novo centro que continuará cativo do centrão.

Quando o centro é uma figura de abstração na política que pende ou para uma aliança concreta com moderados à esquerda ou à direita. Nomes como Moro, Simone Tebet, Felipe d’Ávila, Dória, Alexandro Vieira, não por coincidência, são desprovidos da condição essencial de experiência nas negociações políticas na busca de alianças para dar substância às suas candidaturas. Com exceção talvez de Ciro Gomes com alguma experiência, mas com uma vaidade voluntarista exacerbada que acaba por ser seu maior adversário.

Os demais, repito, são fatalmente novatos, a fazer o jogo da esquerda em desunir a direita. Seriam mais úteis como candidatos ao Congresso, não fossem insuflados e mordidos pela mosca azul do poder de seus correlegionários.

Tenho pesquisado e me convencido a cada dia mais que nossas elites sociais são mais míopes na sua visão realística da política do que a deseducação eleitoral alegada para o populacho eleitor que troca voto por alguma miçanga assistencialista. Ou será que eles próprios também trocam por miçangas bem mais robustas como subsídios e isenções tributárias, reservas de mercado, protecionismos e outras benesses?

Quando afirmo que andamos em círculos como as figuras barrocas das espirais e volutas, a prova está aí: a retórica barroquista que nos enxarcou o imaginário durante quatro séculos, não é apenas o gosto pela linguagem transbordante de figuras como hipérboles, ironias, paradoxos e metonímias, mas comprometeu a nossa própria apreensão da realidade, sempre torcida, retorcida, contorcida e, afinal, distorcida.

Não fosse a farsa o maior gênero literário do Barroco, na farsa da terceira via, tomamos como possível uma candidatura majoritária de centro, como imaginamos ser possível o pardo sem admissão prévia dos conceitos de branco e negro. Ou o terceiro sexo, sem as balizas de macho e fêmea. Ou a terceira margem do rio, como no conto de nosso grande Guimarães Rosa, expressão ímpar de nosso barroco modernista.

A farsa da terceira via nos impede de enxergar que não podemos tratar como uma nova alternativa algo que já foi consumado como alternativa nas eleições de 2018. Quando o populacho deseducado saiu gritando por mito, mito, para escapar exatamente do rodízio repetitivo da ladroagem entre socialistas petistas e socialdemocratas peessedebistas.

Ou na cândida constatação de Paulo Guedes de que já havia passado o tempo da aliança esquerdista e o Brasil precisava experimentar uma terceira via na aliança entre conservadores e liberais, até então sem nenhum espaço aberto entre os donos do poder. Esta é que foi definitivamente a terceira via construída pelo intuitivo mas experiente Bolsonaro e o bem-intencionado Paulo Guedes.

A atual proposta, na verdade, nada mais é do que a repetição da história como farsa, como já postulou o filósofo.

Se o empresariado se deixa conduzir pelas lendas urbanas de sociais-democratas mamadores das tetas dos governos, tudo bem. Mas não venham reclamar depois que competir no mercado brasileiro interno e externo está difícil quando repassam o custo Brasil para seus preços.

Se preferem, como dito por alguns deles mais lúcidos, ao absurdo de financiar o projeto do chefe da quadrilha esquerdista, que ao menos calculem bem o risco que estão a tomar com a explosiva rejeição dos cidadãos que fizeram as grandes manifestações da última década e de setores dos servidores públicos que se engajaram definitivamente na luta contra a corrupção.

É isto que está em jogo. É esta a essência do cenário político brasileiro. Não podemos cair da distorção metonímica de nossa resiliente cultura barroquista que sempre quer trocar o todo pela parte, o essencial pelo acessório, o substantivo pelo adjetivo, a tela pela moldura, o mote pela glosa, a justiça pelo processo, a lei pelo privilégio, a conduta pelo caráter etc.

Pois se admitem a falácia dos termos de comparação entre o atual presidente e o ex-presidiário, efetivamente a terceira via é uma farsa e estão apenas perdendo o principal atributo de um verdadeiro empreendedor de sucesso, que é sua capacidade de discernimento entre a dura e clássica realidade e a barroquista projeção do imaginário.

*Jorge Maranhão, Mestre em filosofia pela UFRJ, dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão e autor de “Destorcer o Brasil. De sua cultura de torções, contorções e distorções barroquistas”

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