Adentrando a terceira semana da quarentena ocasionada pelo Covid-19, no presente artigo vou abordar a questão jurídica do cabimento da indenização por dano moral decorrente da negativação indevida do nome do consumidor em banco de dados de proteção ao crédito. Em momentos de crise o consumidor precisa de maior proteção estatal, principalmente contra ilegalidades praticadas no mercado de consumo.
O direito a honra e a moral tem respaldo na Constituição Federal, no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil. É pacífico que qualquer prestador de serviço ou fornecedor de produto que fizer uma negativação do nome do consumidor indevida em qualquer banco de dados de proteção ao crédito, atrai para si o dever de reparação do dano moral perpetrado contra o consumidor.
É cediço ainda que pouco importa se houve ou não culpa do prestador de serviço ou fornecedor de produto, eis que, a responsabilidade por uma negativação indevida gera a responsabilidade objetiva, inerente ao risco da atividade empresarial. Uma negativação indevida, por outro lado, por si só já gera o dano moral, independentemente de prova de dano, ou seja, a mera negativação é fator condicionante único da indenização por dano moral.
Por fim, o dano moral é caracterizado por todo ato do prestador de serviço ou fornecedor de produto que dentre outras consequências em razão de sua culpa causa dor, vexame, sofrimento e profundo constrangimento para a vítima, e resultam da violação da sua intimidade, honra, imagem e outros direitos de personalidade, pela ocorrência de distúrbios na psique, na tranquilidade e nos sentimentos da pessoa, abalando a sua dignidade.
Nesse compasso o Superior Tribunal de Justiça desde o ano de 2009 havia infelizmente editado a súmula nº 385 que orientava os juízes que se acaso o consumidor já tivesse uma negativação em seu nome, mesmo que sofresse uma negativação indevida, não seria devida a fixação de dano moral, pois justamente já não possuía “bom nome”. A súmula nº 385 assim reza “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.
Ocorre que, recentemente o próprio Superior Tribunal de Justiça embora não tenha cancelado a súmula está revendo sua aplicação e entendendo que não é absoluta a sua aplicação, garantindo o direito do consumidor lesado com uma negativação indevida, discutir o seu direito a indenização, mesmo já tendo contra si outra negativação, como por exemplo, se há dúvida sobre a legalidade dessa outra negativação primitiva.
Enfim, o início da flexibilização da súmula já dá espaço para se concluir que a mesma não é absoluta e que o consumidor tem o direito de questionar! Aliás, há mais de dez anos escrevi que a súmula nº 385 era injusta e violava o direito do consumidor. Era inaceitável essa posição, pois a súmula citada estava a dizer que se o consumidor possuía uma dívida não merecia proteção da Lei em caso de violação de seus direitos. É importante esclarecer que o simples fato do consumidor possuir uma dívida legítima em nada lhe retira a sua proteção a honra, a intimidade e a moral.
Ademais, a função social da indenização por danos morais em casos de negativação indevida tem dupla finalidade, evitar a reincidência e ao mesmo tempo punir o infrator, logo, sem a imposição da multa, ou seja, da forma como estava sendo tratada a matéria abria-se um leque para que o consumidor inadimplente ficasse a mercê de uma devassa indiscriminada na sua honra, moral e intimidade, sem qualquer tipo de punição ou consequência para aqueles que o lesam moralmente e injustamente.
Vale lembrar que não é porque a pessoa já está ferida moralmente que fica imune a ser ferida novamente, principalmente por uma negativação indevida. Se uma pessoa tem duas feridas no corpo as duas causam dor, sendo certo que uma não cura a dor da outra.
Em suma em época de crise como a presente decorrente da pandemia do Covid-19 o consumidor precisa de maior proteção estatal sendo certo que o fato de estar inadimplente não dá um salvo-conduto para que seja vítima de ilegalidade, principalmente de negativações indevidas em bancos de dados de proteção ao crédito.
Tiago Romano é advogado e presidente da OAB – Araraquara
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