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Economia do futuro, imposto do passado

Por Marcel Solimeo

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O jornalista e professor Eugênio Bucci, em interessante artigo no Estadão do último dia 13, sob o título “Cinco Trilhões de Dólares”, comenta a notícia de janeiro de que as empresas americanas, Apple, Amazon, Alphabet (Google), Microsoft e Facebook valiam juntas na Bolsa, cinco trilhões de dólares, quase três vezes o PIB brasileiro.

Bucci não se conforma com as explicações convencionais de que inovação tecnológica e mercadológica explica esse fenômeno, que ele atribui a um novo tipo de capitalismo. Os dados mais recentes mostram que o valor ultrapassou sete trilhões, superando o PIB de muitos outros países.

Lembra o professor que, em 1998, as cinco empresas mais valiosas eram a GE, a Shell, a Microsofit, a Glaxo e a Coca-Cola e que, com exceção de uma (Microsoft) produziam bens, enquanto agora, “as mercadorias corpóreas (coisas úteis) ficam em segundo plano, enquanto a fabricação de signos assumiu o centro da geração de valor”.

Embora o artigo citado possa ser explorado em muitos aspectos, me parece interessante no momento examinar o aspecto tributário dessas transformações, que são relativamente recentes, mas ainda estão em curso acelerado, levando governos de muitos países a procurar formas de tributar a economia digital e imaterial. Além da desmaterialização do consumo, a extraterritorialidade das atividades coloca um complicador adicional à cobrança do imposto.

Será que os impostos que incidem atualmente sobre o consumo de bens e serviços conseguem capturar todas as transações dessa economia do futuro?

No presente, o IVA é o imposto mais utilizado pelos países europeus para a tributação do consumo. É um imposto sobre valor adicionado que se aplica ao consumo de bens e serviços. Consta que a primeira aplicação de tributo foi na França, mas ele só passou a ser discutido mais intensamente nos anos 60, e implantado a partir de 1.967 nos países da Comunidade Europeia.

Embora todos os estudos, e mesmo a aplicação tenha demonstrado que a alíquota única para todos bens e serviços é a mais eficiente, tanto em termos de arrecadação como da burocracia, “na prática a teoria é outra” e muitas nações adotam mais de uma alíquota, diferenciando a tributação sobre alguns bens ou serviços, com base em outras considerações.

Embora seja um tributo antigo, é ainda muito eficiente para tributar os bens e serviços tradicionais, mas existem muitas dúvidas e discussões sobre sua eficácia para tributar a economia digital e, principalmente a extraterritorial. Especialistas, no entanto, apontam que o custo de “conformidade” do IVA nunca foi tão complexo.

A OCDE estuda alternativas para uma nova forma de tributação que possa ser adotada por acordo entre os países, enquanto a ONU, através de Comitê de Especialistas aprovou emenda para atualizar e alterar o seu modelo tributário bilateral para abranger receitas de serviços digitais por não residentes.

Alguns países, no entanto, estão aplicando unilateralmente, e de forma arbitrária, taxação sobre empresas de outras nações, especialmente as americanas, o que vem despertando reações e pode levar a retaliações que se convertam em uma “guerra fiscal”.

Por mais que o IVA tenha se revelado bastante adequado para acompanhar as mudanças na economia por muitas décadas, e possa ainda continuar a ser utilizado para a tributação dos bens e serviços, parece claro que será necessário encontrar outro mecanismo para tributar a economia do futuro e, mesmo, a de um presente, por enquanto limitado a um número pequeno de empresas, mas que se transforma muito rapidamente.

Considerando o cenário de mudanças que está exigindo novas alternativas para a tributação da economia do futuro, será que tem algum sentido fazer uma reforma constitucional profunda neste momento?

Vale a pena engessar o sistema tributário com base em um imposto, ainda útil para as operações tradicionais, mas que não contempla a economia do futuro?

Por que, apesar da experiência da maioria dos países da Comunidade Europeia de adotar alíquotas diferenciadas, se insiste, tanto na proposta do governo para o PIS/COFINS, como nas propostas no Congresso da PEC 45 e da PEC 110, na adoção da alíquota única que devastaria importante parcela do setor de serviços?

Se considerarmos que as alíquotas máximas do IVA na maioria dos países da Comunidade estão abaixo de 20%, qual será a alíquota do IVA dual se apenas o PIS/COFINS proposto é de 12%?  Será que o impacto sobre os serviços, o mais afetado durante a pandemia, e o que mais vai demorar para se recuperar, não deveria ser considerado? Ou o mais importante é seguir o Manual?

Particularmente entendo que, no meio de uma crise sem precedentes como o país está atravessando devido à pandemia, e que ainda não está superada, e afetará as atividades por mais tempo, não é o momento para se fazer reforma profunda do sistema tributário, embora se possa fazer aprimoramentos infraconstitucionais, o que, em parte, vem sendo feito pelo STF, visando principalmente diminuir os litígios.

A maior discussão no momento deveria ser sobre propostas para a retomada da economia, que precisará de algumas medidas específicas para a “arrancada”.

*Marcel Solimeo, é economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do RCIARARAQUARA.COM.BR