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Recuperação aparente e desafios à vista para o consumidor

Por Flávio Esteves Calife

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O desempenho dos indicadores econômicos no 1º trimestre de 2021 sugerem que a retomada da atividade econômica já começou, mesmo que o mês de março tenha sido atípico em comparação aos meses de janeiro e fevereiro.

Um retrocesso, em princípio, era até esperado, dado que ao longo do mês de março as medidas de isolamento social foram muito mais severas, contudo, o impacto da 2ª onda do coronavírus foi menor do que o previsto.

O varejo restrito, por exemplo, caiu apenas 0,6% no mês de março e encerrou o trimestre em queda de mesma magnitude. O varejo ampliado, por sua vez, subiu 1,4% no trimestre, a indústria, 4,3%, e o setor de serviços caiu 0,8%.

Por fim, o indicador antecedente da atividade econômica apurado pelo Banco Central, o IBC-Br, subiu 2,3% na mesma base de comparação, e o PIB, divulgado pelo IBGE, encerrou o 1º trimestre de 2021 com alta de 1,0% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Contudo, a despeito dessa melhora, em termos gerais, na economia, as estatísticas monetárias e de crédito referentes ao mês de abril, divulgadas pelo Banco Central, indicam que os cenários projetados de algumas variáveis econômicas relacionadas ao crédito são, ao consumidor, no mínimo, preocupantes. Pode-se dizer que os impactos oriundos da pandemia ainda não foram totalmente repassados ao consumidor.

No primeiro contato com a crise, entre os meses de março e abril do ano passado, o consumidor conviveu com a desconfiança e, sobretudo, com o receio de perder o emprego. Nesse período, como na maioria das vezes, as decisões orçamentárias foram difíceis, mas, ao consumidor, a postergação dos pagamentos foi mais do que significativa, foi uma centelha de esperança.

Ninguém duvida que a postergação foi a principal razão para a queda na taxa de inadimplência das famílias com recursos livres, que atingiu 5,60% em maio de 2020 e passou para 4,06% em fevereiro de 2021. Nove meses depois, a taxa registrou duas altas consecutivas, encerrando os meses de março e abril em 4,11% e 4,14%, respectivamente. Além disso, a taxa de juros subiu 3,82 pontos percentuais nos primeiros quatro meses do ano e o spread 1,92 pontos percentuais.

Se por um lado o consumidor pode se animar em função do avanço da campanha de vacinação, ainda que num ritmo abaixo do esperado, por outro, ele tem motivos para ficar inquieto, pois estes aumentos nas taxas de juros e inadimplência foram só os primeiros.

O cenário pós vacinação, de modo geral, é de aumento no consumo de bens e serviços, dado que muitas demandas ainda estão reprimidas, mas é também de juros altos. Mais do que isso, outros elementos que devem frear o ímpeto do consumidor são o desemprego, a inflação e o crédito um pouco mais escasso, talvez, num momento em que ele seja mais necessário.

Os dois componentes da taxa de juros devem conduzi-la para cima. Primeiro, a taxa de captação, atualmente em 6,99%, tende a acompanhar o esperado aumento na taxa básica de juros (Selic).

O Comitê de Política Monetária (Copom) demonstrou nos três primeiros encontros do ano que deverá manter uma postura firme no combate à inflação. No primeiro, retirou da ata o forward guidance, um compromisso assumido pela entidade de não subir a taxa de juros no curto prazo, no segundo, surpreendeu o mercado ao subir a taxa para 2,75% ao invés de 2,50% e, no terceiro, foi anunciado mais um aumento em 0,75 pontos percentuais.

Antes do último anúncio, os esforços da entidade não tinham surtido efeito sobre a inflação, que não parou de subir, e a lógica aponta para mais um aumento da taxa Selic no próximo encontro, previsto para 15 e 16 de junho, dado que mais pressões inflacionárias são esperadas nos próximos meses, em especial, na conta de luz.

O próprio Copom não descartou essa possibilidade de aumento na ata da última reunião e as projeções mais recentes do Boletim Focus apontam para uma taxa de 5,75% ao final de 2021. O aumento na taxa básica de juros encarece o custo dos bancos para captar o crédito e, naturalmente, esse custo é integralmente repassado ao consumidor final.

O aumento mais significativo, porém, deverá vir do spread. O spread é uma medida de risco na qual a inadimplência constitui a principal parcela. A inadimplência, antes represada por fatores não recorrentes, agora tem caminho aberto para subir aos níveis observados no início da crise.

Naturalmente, o novo, e atual, programa de auxílio emergencial, bem como a antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas tendem a suavizar essa alta, dado que aproximadamente R$ 100 bilhões serão colocados em circulação.

No mais, o indicador de Registros de Inadimplentes da Boa Vista havia antecipado esses aumentos na taxa de inadimplência das famílias com recursos livres nos meses de março e abril, o que reforça o início de um novo ciclo na taxa.

Somados os dois efeitos, da Selic sobre a taxa de captação e da inadimplência sobre o spread, a taxa de juros ao consumidor inevitavelmente subirá.

Evidentemente, este cenário está sujeito a alterações, sobretudo, se motivadas por fatores não recorrentes, mas, de todo modo, ao consumidor, um cenário de alta nas taxas de juros, concomitante com o aumento da inadimplência, e de maior desemprego (segundo o IBGE, a taxa atingiu 14,7% em março, o maior nível desde o início da série histórica em 2002) não parece ser algo favorável.

Essa conjuntura tende a intimidar as pretensões do consumidor relacionadas à demanda por crédito e, consequentemente, pode afetar um pouco a retomada da atividade varejista de forma mais vigorosa, dado que, historicamente, as curvas de ambos, do varejo e da concessão de crédito, andam juntas.

*Flávio Esteves Calife, economista responsável pela área de Indicadores e Estudos Econômicos da Boa Vista

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