O artigo 174 da Constituição Federal estabelece que o Estado exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento como agente normativo e regulador da atividade econômica. Mas, na prática, o que isso significa?
A partir do início da década de 90, o Estado deixou de ter, pelo menos no âmbito constitucional, o objetivo de concorrer diretamente no mercado com a iniciativa privada, restringindo sua atuação somente nos casos onde a exploração da atividade econômica se apresente de extrema relevância à nação. Neste contexto surgem as agências reguladoras, pessoas jurídicas de direito público, invariavelmente sob a forma de autarquia, com competência para editar atos normativos visando à organização e à fiscalização das atividades sob seu poder de polícia, a fim de evitar e prevenir distorções e falhas no mercado. Cada agência reguladora atua em segmento específico da economia, ou seja, a ANATEL regula o segmento de telecomunicações, ANNEL o de energia elétrica, ANAC a de aviação civil, a ANVISA a vigilância sanitária, ANS o de saúde suplementar (plano de saúde) etc.
Sobre as agências reguladoras, o plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.874 do Distrito Federal registrou que com o advento das agências reguladoras setoriais representava inegável aprimoramento da estrutura constitucionalmente prevista para o Estado de Direito, com foco na eficiência da Administração Pública para fazer frente à complexidade das relações sociais verificadas na modernidade.
O STF ainda ressaltou que as agências incorporariam também instrumentos necessários para alcançar os objetivos gerais de interesse público, inclusive de regulação social, e não apenas econômica. Ocorre que esta visão das agências reguladoras não é mesma adotada pelo atual Governo Federal, mormente por entender que o mercado deve sofrer o mínimo de interferência estatal possível.
A Medida Provisória da Liberdade Econômica, cujo texto foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora tramita pelo Senado, introduzirá no ordenamento jurídico, se aprovada, o denominado abuso regulatório, que seria a hipótese em que eventual norma editada pelo Estado afeta a exploração da atividade econômica ou prejudiquem a concorrência.
Entre as hipóteses que podem configurar abuso regulatório, tem-se a criação de reserva de mercado para favorecer um grupo econômico, a frustração da livre iniciativa com criação de barreiras à entrada de competidores ou mesmo barreiras à livre formação de sociedades empresariais, a edição de ato normativo com efeitos retroativos para fins arrecadatórios etc.
Parte deste desânimo nas agências reguladoras pode ser creditada ao fato de que muitos serviços regulados estão longe de ser uma unanimidade de eficiência. Serviços como o de telecomunicações e de planos de saúde estão sob a regulação da ANEEL e da ANS e nem por isso deixam de apresentar insatisfações dos consumidores, que sempre socorrem ao Poder Judiciário para salvaguardar seus direitos.
Outra falha arguida contra as agências reguladoras é a de que invariavelmente o segmento regulado apresenta um grupo restrito de empresa, o que em tese, estaria longe do ideal pretendido pelas mentes econômicas que coordenam o Governo Federal, já que pautados na Escola de Chicago, quanto maior o número de empresas, melhor a concorrência, aumentando a eficiência e diminuindo preço dos produtos e serviços.
As agências reguladoras sofrerão substancial alteração em seu procedimento interno de edição de normas de suas respectivas competências, isto porquanto, na hipótese da conversão da MP da Liberdade Econômica em lei, várias normas serão objeto de discussão judicial, especialmente àquelas que de uma forma ou de outra forem tidas por contrárias à livre concorrência e à livre iniciativa.
- Ubiratan Reis é advogado tributarista/econômico e escreve para a Revista Comércio, Indústria e Agronegócio (ubreis@gmail.com)
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