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Concurso da Fungota: empresa contratada tem problemas com fraudes licitatórias

No dia 25 de setembro a liberdade dada à empresária Maria de Nasaré Martins da Silva, da Inaz do Pará, estava condicionada a proibição de participar da organização de concursos públicos com a União, Estados e Municípios. Foi neste período de proibição que a Inaz do Pará organizou o Concurso Público da Fungota, não respeitando a decisão do Juiz Rômulo Nogueira de Brito para que não ocorressem direcionamentos em favor da empresa.

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Fungota e a contratação de empresa extremamente duvidosa para organização de concursos públicos

Fraudes, apreensão de documentos e prisões; este é o cenário desacreditado que a Inaz do Pará, empresa contratada pela Fungota, trouxe para Araraquara em outubro quando realizou Concurso Público, dividido em duas etapas, dias 20 e 27, visando a contratação de profissionais para a Maternidade Gota de Leite mantida pela fundação, bem como as UPAs Central, Valle Verde e Vila Xavier, de acordo com o edital 001/2019.

Coincidentemente, cerca de um mês antes (setembro), Maria de Nasaré Martins da Silva, dona da Inaz do Pará, acaba de sair da prisão em Santarém, enquanto centenas de candidatos se preparavam para prestar a primeira prova seletiva em Araraquara. De acordo com a Polícia Civil e o Ministério Público do Pará, que efetuaram trabalho conjunto, tinha sido cumprida a 13ª fase da Operação Perfuga dentro da Operação Pandora, com os mandados de prisão preventiva de Maria Nasaré Martins da Silva, além de busca e apreensão na residência e na sede da empresa.

Questionada em Araraquara sobre a contratação da Inaz, a diretoria da Fungota alega que contratou a Inaz do Pará por meio de licitação, sendo esta a segunda vez que uma empresa sediada no extremo do país foi chamada para execução deste serviço em nossa cidade. “A diretoria desconhece outros concursos realizados pela Inaz em Araraquara. Porém, tal informação deve ser verificada junto à empresa contratada”, comentou a Fungota em nota enviada ao nosso Portal.

Foi exatamente isso que tentamos esclarecer em três ou quatro oportunidades por telefone e e-mails, no entanto em apenas uma, a reportagem conseguiu falar com uma funcionária que se identificou como “Eduarda”, depois disso a Inaz não mais nos atendeu e nem disse qual era o ponto de localização da empresa em Belém, região periférica, formada por classes econômicas extremamente simples.

Curioso é que o site da Receita Federal aponta, quando a consulta é feita por CNPJ, para uma rua chamada Passagem de Santo Antônio, n° 32 A, no bairro Marambaia; no lugar, se observa imóveis que aparentemente não condizem com a realidade e o porte da empresa. Pior, pois no lugar funcionam salão de beleza, floricultura e uma moradia.

Logradouro na Passagem de Santo Antonio, 32, Marambaia, Belém

O nosso portal buscou a localização da empresa pelo Google Earth, identificando-a na Rua da Mata, n° 32, no mesmo bairro, só que no local funciona um bar que até o final da semana passada vendia Antarctica Subzero a R$ 3,99 a garrafa. A veracidade é confirmada nas imagens colhidas pelo fotógrafo Akira Onuma, do jornal O Liberal de Belém, parceiro do RCIARARAQUARA nesta ação investigativa.

Rua da Mata, 32, outro endereço citado pela Inaz, onde funciona um bar (foto: Akira Onuma/O Liberal)

Já o Google Imagens ao buscar o nome Inaz do Pará leva a pesquisa para a Rua da Mata, RD 32 A, Marambaia, no endereço do bar, só que agora apresentando a empresa com fachada editada e traços plenamente perceptíveis de montagem simplória, causando dúvidas e deixando transparecer que em várias situações existe falta de transparência no seu comportamento.

Fachada supostamente editada com características de montagem simplória dentro do Google Maps, na mesma Rua da Mata, 32

Sobre a conduta e idoneidade da Inaz, a Fungota esclareceu que a Lei de Licitações traz uma série de requisitos de habilitação para a formalização do contrato entre a fundação e os licitantes vencedores. Segundo ela, todos os requisitos previstos foram cumpridos. No mesmo documento, a Fungota salienta que – no caso da contratação da mencionada empresa, foi realizado Pregão Eletrônico, que é a modalidade com maior publicidade e maior disputa de preços entre licitantes e que possibilita o acompanhamento da lisura do processo. Foi essa, a forma que facilitou o acesso da Inaz do Pará a participar da organização do Concurso Público da Fungota, embora ela já tivesse participado de outro certame em 2017.

A IDONEIDADE DA EMPRESA CONTRATADA

Foi em dezembro de 2017, que a Defensoria Pública do Ceará pediu, por meio de ação coletiva, a anulação do concurso para vagas no Colégio da Polícia Militar, onde o certame, conforme os pais dos estudantes, autores da ação, apresentou falhas desde a inscrição, com erros no sistema eletrônico de cadastramento de dados, até o dia de aplicação da prova, com problemas logísticos, atrasos e desordem. A Inaz do Pará, responsável pela seleção, negou as acusações.

O jornal O Povo, do Ceará, ao notificiar o fato disse em um dos trechos da reportagem publicada sobre a Inaz, que Sandra Sá, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas se espantou: “nunca tinha visto tamanho nível de reclamação e desorganização da entidade que venceu a licitação”.

Ainda em 2017, a Inaz voltou a ter problemas: a Polícia Civil do Distrito Federal e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios fizeram uma operação em 17 de dezembro para investigar suspeitas de fraudes no concurso da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap). De acordo com o Ministério Público, há suspeitas de fraude na licitação para a seleção da banca organizadora (Inaz do Pará) e também tentativa de fraude nas provas. A empresa organizadora foi selecionada por pregão eletrônico em 2017. A operação visou recolher computadores, celulares e outros equipamentos que poderiam auxiliar na investigação relacionada ao concurso, sendo investigados, funcionários da Novacap e da banca (Inaz).

VEM A PRISÃO

Cartaz da Inaz anunciando concurso na Câmara de Santarém

Foi deflagrada em 17 setembro último por equipes da Polícia Civil e do Ministério Público do Pará, em trabalho conjunto, a 13ª fase da “Operação Perfuga”, denominada “Operação Pandora”, com o cumprimento de mandados de prisão preventiva de Maria de Nasaré Martins da Silva e busca e apreensão na residência, e também na sede da Inaz do Pará.

Os mandados foram expedidos pelo juízo da 1ª Vara Criminal de Santarém, cujas diligências foram realizadas em Belém sob condução, em virtude de solicitação de apoio, do Núcleo de Inteligência da Polícia Civil (NIP) e do Grupo de Atuação no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e Grupo de Atuação Especial de Inteligência e Segurança Institucional (GSI) do Ministério Público do Pará.

A Polícia Civil e o MPPA requereram na ocasião a transferência da detida para Santarém, na Central de Triagem Feminina, para ficar à disposição da Justiça local, o que foi deferido pelo Juízo da 1ª Vara Criminal de Santarém. Segundo informações coletadas no Inquérito Policial, Maria de Nasaré foi ao encontro de Reginaldo Campos, então presidente da Câmara Municipal, oferecendo vantagem para garantir contratação e realização do concurso público para servidores da Câmara Municipal de Santarém, ocorrido em 2015. Em colaboração premiada, Reginaldo Campos afirmou que foi aliciado por Maria de Nasaré, e, ao final, recebeu o valor de R$ 50.000,00, mediante cheque expedido pela empresa, para que fosse favorecida na contratação.

Participantes da Operação Pandora durante entrevista coletiva (Foto: Dominique Cavaleiro / G 1

As informações foram confirmadas por Rubens Coelho Athias, Pregoeiro e Presidente da Licitação da Câmara, em colaboração premiada. De mesmo modo, o colaborador Pedro Gilson de Oliveira prestou declarações, inclusive informando o contato e tentativa de aliciamento de Maria Nasaré para sair vitoriosa nesta contratação, que não se consumou.

Foi por essa razão que o Juiz da 1ª Vara Criminal acatou pedido da Polícia Civil e do MPPA, e decretou a prisão preventiva de Maria de Nasaré Martins da Silva, com fundamento na garantia da ordem pública e em razão do risco de reiteração da conduta delituosa, uma vez que a empresa participa de outros certames, no Pará e em outros Estados, como ocorreu recentemente em Araraquara.

Contra a Inaz do Pará tramitam diversas ações judiciais, entre as quais na Comarca de Óbidos, também em razão de irregularidades constatadas na licitação para o concurso público da Câmara Municipal, sendo uma denúncia criminal e duas  ações civis públicas. Em outubro do ano passado, dia 24, o Judiciário de Óbidos acatou o pedido da Promotoria de Justiça e determinou a suspensão do concurso previsto para a Câmara Municipal da cidade. O contrato entre ambos foi anulado por irregularidades apontadas no processo de licitação; a empresa ainda tinha um concurso a ser realizado no município de Anapu, que se destinava a contratação de oito vagas para Agentes Municipais de Trânsito, e ainda, em Magalhães Barata, com 334 vagas, para diversos cargos. Todos foram suspensos e as licitações anuladas.

Central de Triagem Feminina em Santarém onde Nasaré ficou presa

O CERCO DO MINISTÉRIO

O nome da operação ‘Pandora’ decorre de associação ao modus operandi de Maria de Nasaré à figura mitológica Pandora, que no grego antigo significa “a que tudo dá”, “a que possui tudo”, “a que tudo tira”.

De fato, logo em seguida a Promotoria de Justiça de Magalhães Barata, através da promotora de Justiça Brenda Corrêa Lima Ayan, expediu Recomendação Administrativa para que a Prefeitura anulasse a contratação da Inaz do Pará, face a sanção administrativa de suspensão temporária de participação de licitação e impedimento de contratar com a administração, pelo período de 12/01/2018 a 25/08/2018, aplicada pelo governo do estado da Bahia. “Os tribunais superiores entendem que a suspensão temporária tem aplicação em âmbito nacional e não está restrita a Administração que aplicou a penalidade”, destacou a promotora Brenda Ayan.

Também em Óbidos, o judiciário acatou pedido da promotoria de Justiça e determinou  a suspensão do concurso público para vagas de servidores da Câmara Municipal e a nulidade do contrato celebrado entre o Legislativo e a Inaz do Pará, por irregularidades apontadas no processo de licitação. O juiz relatou que foram apontadas diversas irregularidades no processo licitatório, tais como  ausência de participação de outras empresas no certame, inviabilizando a competitividade, irregularidade no prazo de abertura da 1ª chamada do pregão, ausência de pesquisa prévia de preços, cláusulas restritivas dos editais, entre outros.

Outro ponto é quanto ao prazo de suspensão da empresa, pelo período de sete meses e 15 dias. Nesse período, ou seja, até 25/08/2018, a empresa não poderia licitar e contratar com a administração pública. O pregão com decisão de contratação da empresa ocorreu em 21/06/2018. E a contratação em 08/08/2018, dentro do período de suspensão.

A PRISÃO DA DONA DA INAZ

Em 17 de setembro – um mês depois seria o Concurso Público da Fungota -, Maria de Nasaré, dona da Inaz, foi recolhida ao Centro de Recuperação Agrícola em Santarém, oeste do Pará. Sua transferência para Santarém foi solicitada pela Polícia Civil e o Ministério Público, e deferida pela 1ª Vara Criminal.  Sua decisão se baseou no fato da empresária possuir um filho com síndrome de dow.

O Juiz Rômulo Nogueira de Brito, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Santarém

A sentença de Brito publicamos na íntegra: “Assim, em que pese a presença dos fundamentos da custódia preventiva, a condição peculiar do filho especial da requerida torna inafastável a necessidade de que ele se mantenha sob os cuidados da genitora, dada a fundamental importância da maternidade nesses casos”.

Mais adiante ele cita: “A meu ver, portanto, forçoso reconhecer que diante da alteração das circunstâncias fáticas a segregação cautelar torna-se despicienda, inadequada ao presente caso. Por outro lado, em razão da natureza e gravidade dos delitos que estão sendo apurados, entendo ser razoável aplicar as seguintes medidas cautelares diversas da prisão à representada:

 I – Proibição de ausentar-se da comarca em que reside sem autorização do juízo por mais de 15 (quinze) dias;

II – Impossibilidade de viajar ao exterior, devendo entregar o passaporte na secretaria desta vara criminal, salvo se não possuir o documento, no prazo de 15 (quinze) dias;

 III – Proibição de participar, via licitação, ou contratar diretamente (dispensa de licitação) com entes públicos da união, estados e municípios, tendo como objeto atividades voltadas a realização de certames públicos, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob a justificativa de impedir, ainda que provisoriamente, que não ocorram direcionamentos em favor da Inaz do Pará, uma vez que há fortes indícios de que a empresa segue firmando contratos espúrios mediante fraudes licitatórias em outros estados da federação.

Para o Juiz Rômulo de Brito, tal medida aplicada é menos gravosa do que a interrupção ou suspensão das atividades da empresa, o que permitirá a ela atuação no âmbito privado em outras áreas, visto que, conforme contrato social extraído da JUCEPA, consta que referida pessoa jurídica abrange outras atividades além de concursos públicos.

Pastas com documentos apreendidas na Operação Pandora, sede da Inaz

O CONCURSO EM ARARAQUARA

Com a revogação da prisão preventiva pelo juiz Rômulo Nogueira de Brito, Maria do Nasaré a partir do dia 25 de setembro último deveria cumprir uma série de determinações constantes da sentença, uma delas – a proibição de participar, via licitação, ou contratar diretamente (dispensa de licitação) com entes públicos da união, estados e municípios pelo prazo de 180 dias. No dia 9 de outubro foi expedido o mandado de citação da decisão do juízo apresentando em seu conteúdo as informações.

Dentro deste período proibitivo foi que a Inaz do Pará e a Fungota organizaram nos dias 20 e 27 de outubro concurso público em Araraquara, colocando agora em dúvida a validade do certame e a possibilidade de anulação pois a empresa já estava impedida de prestar os seus serviços. Outros municípios se atentaram as penalidades aplicadas a Inaz em períodos anteriores e tiveram a cautela de cancelar os concursos previstos.

Também em Araraquara o concurso realizado pela Inaz do Pará se deparou com ocorrências policiais onde os participantes acusaram os organizadores de terem fechado os portões antes do horário informado nos editais. Sobre o fato, a Fungota diz que – a diretoria da fundação fiscalizou o fechamento dos portões em todas as unidades e que em nenhuma escola houve tolerância para a chegada dos candidatos.