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Estatuto da pessoa com câncer: “É preciso diminuir as dificuldades regionais de acesso à saúde”, diz oncologista

Para Luís Henrique de Carvalho, “começar apenas com a implementação da Lei, seria como montar um belo carro, sem rodas e motor”

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Para o médico oncologista de Araraquara Luís Henrique de Carvalho, apesar das propostas terem boa intenção, “é preciso conexão com a realidade do sistema de saúde”

A Câmara dos Deputados aprovou no final de junho o projeto de lei 1.605/19, que institui o estatuto da pessoa com câncer. O objetivo é promover condições iguais de acesso a tratamentos. A proposta foi enviada ao Senado.

De acordo com o projeto de lei apresentado, é obrigatório o atendimento integral à saúde da pessoa com câncer por meio do SUS, na forma do regulamento. Esse atendimento integral inclui, por exemplo, assistência médica e psicológica, fármacos e atendimentos especializados, inclusive domiciliares, além de tratamento adequado da dor, atendimento multidisciplinar e cuidados paliativos.

O texto lista como direitos fundamentais da pessoa com câncer: a obtenção de diagnóstico precoce; e o acesso a tratamento universal, equânime e adequado e a informações transparentes e objetivas sobre a doença e o tratamento.

O paciente deverá ter direito ainda a assistência social e jurídica e a prioridade de atendimento, respeitadas outras como para idosos, gestantes e pessoas com deficiência e emergências de casos mais graves.

Será incluído entre os direitos de prioridade o acolhimento pela própria família em detrimento de abrigo ou instituição de longa permanência, exceto para os carentes. Já o direito à assistência social e jurídica deve ser garantido com base na Loas – lei orgânica da assistência social e pelo acesso da pessoa com câncer ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Poder Judiciário em todas suas instâncias.

O texto aprovado atribui ao Estado o dever de desenvolver políticas públicas de saúde específicas voltadas à pessoa com câncer, das quais devem resultar, por exemplo, ações e campanhas preventivas; acesso universal, igualitário e gratuito aos serviços de saúde; e processos contínuos de capacitação dos profissionais que atuam diretamente nas fases de prevenção, diagnóstico e tratamento da pessoa com câncer.

Entre os princípios definidos pelo estatuto destacam-se o respeito à dignidade da pessoa humana, à igualdade, à não discriminação e à autonomia individual; o diagnóstico precoce; a sustentabilidade dos tratamentos; e a humanização da atenção ao paciente e sua família.

Quanto aos objetivos, podem ser citados o estímulo à prevenção; a garantia de tratamento adequado nos termos da lei; e a promoção da articulação entre países, órgãos e entidades sobre tecnologias, conhecimentos, métodos e práticas na prevenção e no tratamento da doença.

Para o médico oncologista de Araraquara Luís Henrique de Carvalho, apesar das propostas terem boa intenção, “é preciso conexão com a realidade do sistema de saúde”, já que nem sempre isso ocorre.

Como exemplo, o especialista cita a Lei 12.732, de novembro de 2012, que indica a padronização de terapêuticas oncológicas de forma adequada ao conhecimento científico e novas possibilidades de tratamentos comprovados, além de assegurar o início do primeiro tratamento no SUS em até 60 dias após o diagnóstico.

“Bem, as realidades de acesso ao diagnóstico são absolutamente distintas e muitas vezes o paciente não chega ao serviço de Oncologia nesse prazo. Ainda nos deparamos com um atraso extremamente significativo na incorporação de novas tecnologias e linhas de tratamento no sistema público de saúde”, avalia o oncologista.

O Dr. Luís Henrique de Carvalho cita ainda um estudo de dezembro de 2019 (_Braz J Oncol.2019; 15 (Supl.1): S56), em que se demonstra a desigualdade para o suporte ao tratamento do câncer no Brasil, em relação a investimentos, capacidade instalada, capacitação profissional e desenvolvimento social.  “A conclusão é de que os indicadores de incidência e mortalidade são muito variáveis nas regiões distintas do país”, acrescenta o médico.

“Em minha opinião, esse seria o principal alvo a ser questionado quando há uma política para implementação generalizada em relação a acesso e suporte de saúde para os pacientes oncológicos”, completa.

CÂNCER EM CRESCIMENTO

O oncologista Luís Henrique de Carvalho explica que o câncer é uma doença em crescimento de indicadores e será a primeira em morbimortalidade no mundo, com previsão desse cenário entre 2030 a 2040. “Temos que nos preparar para cuidar adequadamente desses pacientes. Buscar atendimento integral, multidisciplinar e amparo social e jurídico, como dito no projeto, é o caminho ideal. Penso que, antes, temos que garantir o aparato para isso, diminuindo as dificuldades regionais de acesso à saúde, oferecendo de forma real as possibilidades de tratamento adequado para cada situação, capacitando os serviços e profissionais de saúde para essas demandas e incentivando a qualidade de atendimento e acolhimento aos pacientes. Começar apenas com a implementação da Lei, seria como montar um belo carro, sem rodas e motor”, conclui o especialista.

LACCA

Para a Liga Araraquarense de Combate ao Câncer (LACCA), seria perfeito se as leis fossem cumpridas. Luis Nacir, presidente voluntário da entidade, conta que embora já exista uma cartilha de direitos do paciente com câncer, ela esbarra na estrutura regional. “Criam a lei, mas ela não se faz cumprir no Ministério Público. Quando chega no município, ela falha. Temos a temos lei municipal que diz que o paciente com câncer tem direito ao vale transporte, mas ele nunca consegue esse vale. Sobre o estatuto da pessoa com câncer, desde que funcione seria ótimo”, finaliza.