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Família venezuelana recomeça a vida no Brasil

Há três anos no Brasil, o venezuelano Marfren fala com exclusividade ao Portal RCIA, sobre seu recomeço fora de seu país e o que espera do futuro para sua família e para a Venezuela.

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A família já e composta com um brasileirinho

Com o colapso da economia na Venezuela, que se transformou em crise humanitária, devido a ditadura que assola o país, Marfren Sebastian Osório Correa, de 34 anos, deixou a capital Caracas em setembro de 2016 buscando uma vida melhor para si e sua família, partindo para Boa Vista – Roraima.

Marfren chegou até a redação do Portal RCIA, para vender um novo plano de internet; a princípio acreditamos que fosse argentino, mas em uma segunda visita, disse ser venezuelano.  De fala mansa, educado e simpático, não se importou em contar sua história. De acordo com as Nações Unidas, até junho de 2019 mais de 4 milhões de pessoas haviam fugido da Venezuela.

Marfren deixou esposa e filha na Venezuela, para tentar uma vida melhor

INÍCIO

Desempregado em seu país, ele vendeu o carrinho de bebê e a cama da filha para conseguir dinheiro para o ônibus e partir para o Brasil, chegando aqui com R$ 16 reais e uma nota de 100 dólares para trocar em caso de extrema urgência. Marfren atravessou a fronteira, deixando para trás esposa e filha, e se assustou diante da quantidade de venezuelanos que já havia na cidade.

Formado em Engenharia da Computação, pela Universidade Alexandro de Humbolt, a princípio ficou hospedado na academia de um amigo capoeirista, que o ajudou no primeiro momento. “Ele me deu apoio, para eu tentar a sorte, que não foi fácil no começo”. Ele trabalhou em pizzaria, vendeu maquilagens nas ruas, para assim conseguir enviar dinheiro à família. Após um ano de trabalho duro juntou dinheiro, e foi buscar sua esposa e filha. Retornou com elas, ficando ainda por sete meses em Roraima até partir para Ribeirão Preto, no processo de interiorização criado pelo governo, para reduzir o impacto social em Roraima.

Após um ano em Boa Vista, voltou para buscar sua esposa e filha

Segundo Marfren, sua maior dificuldade quando chegou foi a comida, pois além de não ter dinheiro para comprar, também não conhecia, mas acabou acostumando-se e comendo bem pão com mortadela ou salsicha.

Outro entrave do imigrante foi a língua “tinha um pouco de conhecimento mas não conseguia me expressar, mas com o cotidiano das vendas nas ruas consegui desenrolar um bom portunhol”.

Marfrem com a esposa e o filho Dylan que nasceu no Brasil

DE RORAIMA PARA RIBEIRÃO PRETO

Após três anos no Brasil, ele diz que a situação continua “puxada”, vende planos de internet em Ribeirão e Araraquara há 3 meses para se sustentar, trabalhou na Nestlé por 8 meses, mas não conseguiu continuar por questões documentais, devido a esse emprego recebeu até o final de julho seguro desemprego. “Por enquanto estamos vivendo de bicos, até encontrar algo fixo” – diz ele. Sua esposa, Daisy Daniela Llamozas de Osório, de 31 anos não está trabalhando no momento, pois cuida dos filhos, Luna Daimar Osório Llamozas de cinco anos e do bebê que nasceu no Brasil, Dylan Sebastian Osório Llamozas de dois meses.

 COMPARAÇÕES

A diferença para ele entre Brasil e Venezuela, é que aqui ele consegue sustentar sua família mesmo só fazendo bicos, “lá é impossível devido a inflação diária, não conseguimos nem mesmo comer com que ganhamos durante um mês”.

No momento a família está se mudando para um lugar mais barato, pois quando chegaram a Ribeirão Preto moravam em um apartamento imobiliado, pois não tinham móveis ou eletrodomésticos. “Com o último trabalho já consegui comprar alguns móveis, fogão, geladeira, para então, alugar uma casa mais em conta e sobreviver”.

Segundo Marfren a moeda corrente na Venezuela é o Bolivar Soberano, mas não tem valor nenhum, a maior parte dos negócios são feitos em dólar, visto que, alguns conseguem comprar ou as famílias que moram fora do país enviam para que se mantenham.

Ele relata que o governo não ajuda, que a saúde pública é precária, quase inexistente, “Já morreram muitas pessoas principalmente crianças. A Educação é muito fraca, segurança não existe, você sai e não sabe se consegue voltar para a casa, bandidos fazem o que querem. Segurança foi umas das questões que me fez sair da Venezuela. Saía pela manhã e não sabia se no metrô alguém ia me roubar e me dar um tiro, a polícia é corrupta, tudo que é favorável ao governo é corrupto, eles não tem coração”. Diz também que os salários dos policiais em seu país é muito baixo e que devido a isso, a corrupção é latente.

Conta que com um salário mínimo não se consegue quase nada, para termos noção exata do problema, hoje um salário mínimo na Venezuela é de 65 mil Bolívares Soberano, o valor de um quilo de carne é de 20 mil, uma cartela de ovos 25 mil, o quilo de leite em pó custa 40 mil, arroz e macarrão o quilo saem em média 15 mil. Além dos altos preços é muito difícil encontrar os produtos nos supermercados e quando encontra não há variedade.

Como forma de controle do povo, o governo entrega uma caixa mensal de comida, cobra uma pequena taxa que em real seria em torno de R$ 30, segundo Marfren. Mas como nada cai do céu, esta caixa é regulada por grupos da comunidade. São eles quem recebem a ajuda do governo e repassa para as famílias, mediante cadastro contendo todas as informações a respeito de família. Essa comida chega ao país através de acordos com a Rússia, China e Brasil ou ainda ajuda internacional.
Em sua casa composta por duas famílias, pois, Marfren a esposa e a filha moravam com os pais, recebiam nesta caixa 1 quilo de leite em pó, 2 de feijão , 1 de Arroz, Farinha de Milho,  e as vezes, sardinha, aveia e atum. “Não é como no Brasil que existe o bolsa família”.

O venezuelano diz que em seu país não existe produção de alimentos, “não existe produtor rural, porque eles não têm dinheiro para sustentar suas terras, não tem dinheiro para aplicar, semente só se compra em dólar, mal conseguem plantar para sua subsistência”.

Relata ainda que a energia na Venezuela por ser pública é muito barata, mas é uma bagunça, se não pagam não cortam como no Brasil, muita gente rouba energia, e o governo não faz manutenção, portanto é normal a queda de energia.

Os pais de Marfren continuam a morar na Venezuela; o pai é professor de educação física em uma escola particular e segundo ele tem um salário razoável, mas devido a alta taxa de inflação é necessário que ele saiba distribuir os gastos durante o mês, pois,  o que se ganha no começo do mês no final já não vale muito. Diz ainda que os pais não pretendem deixar o país e sempre que pode envia dinheiro para eles.

Sua sogra, que também ficou na Venezuela vive com a ajuda do governo, e não consegue comprar sequer a medicação que necessita, pois remédio no país é muito caro. Não consegue pagar transporte público que é barato diante da situação.  Hoje ela mora com um filho e recebe uma aposentadoria de um salário mínimo.

SOBRE O REGIME

Sua opinião a respeito da política é que Juan Guaidó (Presidente autointitulado),  tem que fazer o que é certo e justo, seja da forma que for, e acredita que  a Venezuela não sairá do estado que se encontra sem uma guerra, devido aos interesses políticos envolvidos.  Marfren diz que participou de várias manifestações contra o governo e que perdeu muitos amigos que morreram nesta luta, “nós lutamos pelo fim do regime”.

Diz ainda que não sabe se Guaidó ou outro político fará o que tem que ser feito, e que tem acompanhado pela CNN Espanhola as noticias de seu país, que é onde pode ver um jornalismo verdadeiro, pois na Venezuela só assistem aos canais do Estado, que sempre dizem que está tudo bem. “Agradeceria muito se Guaidó conseguisse tirar o país desta situação. É uma pena que Trump não entra nesta briga porque tem interesses políticos na Venezuela e não é conveniente aos Estados Unidos, mesmo diante do apoio da Rússia e China que são comunistas”.

“Os revolucionários que apoiam a política de esquerda, tem uma visão diferente, distorcida da realidade, são muitos grupos de comunistas e que tem mais poder que a polícia, tem armamentos, em resumo, é a milícia do governo, infiltrados em meio a comunidade, eles andam com escoltas e armados, são pilantras. Nas manifestações atiram contra as pessoas que são contrários ao regime ditatorial de Maduro, muita gente já morreu.  A polícia não pode fazer nada contra eles, e se calam por questão de sobrevivência”.

“Os jovens que hoje vivem lá, não tem futuro, perderam os sonhos, não estudam, não vão conseguir um trabalho, fazem às vezes um curso pela internet. Eu consegui sair  com muito esforço e muita luta”.

SAÚDE

Médicos reclamam da falta de insumos e de condições de trabalho precárias

“A saúde no país é precária, não há o básico pra o atendimento, temos que pagar plano privado, mas é muito caro. Se você vai para um posto de saúde ou um hospital público, não tem material básico para atendimento, os médicos ganham pouco e não tem estrutura para atender os pacientes. Já morreu muita gente, principalmente crianças”

Marfren diz emocionado que não volta mais para sua terra, que sente uma dor muito grande, pois, se trata de seu país, e que talvez volte apenas para visitar seus pais, mas que o Brasil é seu novo lar.

Disse ainda que o Brasil o acolheu, e que agora está esperando uma entrevista para tentar uma Bolsa Família, enquanto não consegue emprego fixo ou ainda trabalhar na área na qual é formado. “Minha esposa e filhos são bem atendidos nos postos de saúde e creche em Ribeirão Preto, sem contar que temos segurança, aprendi a ser atento nas ruas de Caracas para sobreviver, mas aqui saio para trabalhar e sei que vou voltar para a casa”. Ele diz que gostaria de voltar a estudar, mas no momento tem outras prioridades, e que vai adiar seu sonho em nome de sua família e da reconstrução da vida.

A família faz agora uma nova vida em Ribeirão Preto

Agradeceu aos brasileiros que é um povo acolhedor, e lamenta que alguns venezuelanos venham para o país atrapalhar quem realmente deseja trabalhar, “por isso sofremos preconceito e é triste, ouvir de pessoas nas ruas que venezuelanos são pilantras e sendo eu um deles, tive que escutar. “Respondi a uma moça que falava de forma grosseira sobre nosso povo, que nem todo mundo é igual, me entristece isso. Sou pessoa lutadora, não fico parado, faço qualquer coisa, gostaria evidentemente de um emprego fixo, ao menos teria certeza que minha família não passará fome e que possamos viver com tranquilidade. Deus faz as coisas certas e está me dando uma nova chance de recomeçar em um novo país”.

Por Suze Timpani