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O dia em que a cidade parou: sirene da Cutrale toca ao meio-dia e todos choram de tristeza

Com sentimento à flor da pele, cidadãos sofrem com a morte de parentes e amigos, perda de empregos, falência de empresas e esperam soluções concretas em meio à pandemia

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Setores de comércio e serviços estão entre os que mais sofreram com o lockdown

Araraquara, 21 de fevereiro de 2021. Data que vai ficar marcada na história do município como o dia em que a cidade parou. Meio-dia no relógio da Lupo. A sirene da Cutrale anuncia o fechamento da indústria, do comércio e dos serviços, enfim, de toda a vida urbana. Ruas e praças vazias. Serão 60 horas de reclusão nesse lockdown total. O objetivo é frear o avanço do coronavírus, já que circula por aqui sua variante mais agressiva.

A designer gráfica Bete Campos conta que se emocionou ao ouvir a sirene da Cutrale anunciando o toque de recolher em um vídeo postado nas redes sociais. “Até chorei. Que situação a gente chegou!”, emociona-se. Assim como ela, vários moradores de bairros como Centro, Melhado, Vila Suconasa, Vila Furlan, Jardim Martinez e outros sentiram a mesma tristeza em ver Araraquara parada, única alternativa para achatar a curva de evolução da doença.

A saúde entrou em colapso e fechar tudo foi a única opção para o prefeito Edinho Silva, que entrou em rede nacional no sábado na Band, no programa do Datena, explicando os motivos do lockdown “para evitar que Araraquara não seja igual Manaus”.

Por outro lado, os impactos dessa medida certamente causarão mais desemprego, falência e fome na população. Famílias sem renda, empreendedores de portas fechadas. Araraquara chega ao ponto em que “se abrir o vírus pega, se fechar morre de fome”.

O empresário Rodrigo Morales Calejon teve que demitir no ano passado os três funcionários que tinha em sua empresa de locação de mesas e outros itens para festas por conta da pandemia. “Sem festas, a locação brecou e abri uma distribuidora para não quebrar. Mas se ficar mais de 15 dias sem poder abrir vou fechar definitivamente”, lamenta.

Calejon esclarece que é a favor do lockdown para conter o avanço da Covid-19, desde que haja incentivos e redução de impostos por parte dos governos federal, estadual e municipal. “Fechados, não temos renda e não temos como arcar com compromissos. Não são os setores do comércio e serviços que geram aglomeração, mas somos os mais prejudicados”, avalia.

Como alternativa, ele sugere o rodízio de lojas, com revezamento de abertura para os estabelecimentos. “É uma possibilidade. A cabeça está a mil e só Deus sabe o que vai acontecer”, conclui.

Para Vagner Manoel Dias, que mantém com a família uma loja de materiais de contrução, “decretar um lockdown em uma sexta-feira em que o trabalhador recebe o vale é uma falta de responsabilidade do nosso prefeito”, referindo-se à aglomeração gerada em supermercados e postos de combustíveis.

“No mínimo, ele teria que saber que a população iria em massa aos mercados abastecer suas geladeiras, iria ter aglomerações de pessoas, contaminações nesses locais e disseminação em suas residências”, opina.

Dias também teme a consequência dessa medida que causou a corrida dos araraquarenses aos mercados. “Se o retrato de hoje é referente a aglomerações de dez dias atrás, como estará o sistema de saúde na próxima semana?”, questiona.

Na indústria, a situação também é de incerteza. Para Leandro Guidolin, proprietário de uma indústria de fabricação de móveis, o prefeito edita normas arbitrárias, comprometendo todo a economia da cidade. “O que será dos autônomos que trabalham durante o dia pra comer a noite? O que será de empresários e empresas que já estavam à beira da felência? Teremos uma massa de desempregados, uma cidade caótica porque o poder público não fez o que tinha que fazer no momento certo”, salienta.

Professor de Sociologia, Filosofia, Geografia e secretário da Fazenda de Araraquara de 2001 a março de 2004, José Eduardo de Oliveira, o Vermelho, analisa que, infelizmente, não havia outra alternativa ao lockdown. “O ritmo de infectados subiu demais”, completa.

Porém, a administração municipal e estadual não podem abandonar os setores de comércio e serviços. “O Estado de São Paulo tem o segundo maior orçamento da Federação e pode fazer mais. Teria que ter um estudo, mas é preciso uma política do ponto de vista fiscal de adiar colhimento de tributos, reduzir os impostos da energia elétrica, o ISS do município e o ICMS do estado ICMS, além, de linha de crédito para que o empresário segure o emprego. O governo tem instrumentos para fazer as propostas, só não dá pra não ter nada. Haverá perdas, mas podemos atenuar com essa política fiscal”, explica Vermelho.

O entardecer de domingo é chuvoso em Araraquara, com as águas das chuvas se misturando às lágrimas dos que perderam parentes e amigos, empresas e empregos, ou que apenas choram pela dor de seus conterrâneos ao ouvir o som emblemático da sirene da Cutrale.