Por_ Suze Timpani
Em abril deste ano, quando a reportagem do RCIAraraquara produziu algumas matérias e vídeos sobre a intervenção do Ministério Público e os riscos de desabamento do Gigantão, conversamos com “moradores das suas marquises” e não os fotografamos pois não estava em pauta o problema do favelamento. Dias antes o portal já havia produzido matéria sobre os habitantes das praças públicas. No caso do ginásio de esportes, circulamos por todas as partes e encontramos ali a pata de um gato, provavelmente amarelo, com moscas; apenas nos retiramos face o mau cheiro.
Há duas semanas, recebemos denúncia da situação degradante que vivem esses moradores em uma das laterais do prédio; fomos novamente até o local, e quando chegamos não havia nenhum dos moradores no momento, foi quando fizemos as fotos e deparamos novamente com partes de um gato, desta vez um rabo preto.
A pergunta que fica é: o que estão fazendo com os animais já que em duas ocasiões encontramos vestígios de gatos mortos. Diante disto, publicamos a matéria como forma de alerta. Sabemos também que há dois cães, um idoso e um mais novo, bem tratados, vacinados na qual obtivemos informações com a Zoonose.
O problema no local não é somente sobre morte ou maus tratos a animais, mas também aos seres humanos que escolheram ou não viver nas ruas, sempre precisando do olhar atento do poder público e não somente alimentá-los, vestí-los e postergar o problema naquele próprio da municipalidade. Ninguém nos enviou denúncia, constatamos o ambiente dantesco e solicitamos apuração das duas situações – dos gatos mortos e dos seres humanos favelando o Gigantão.
Vídeos foram feitos e postados em rede social para mostrar que os cães que ali moram, são bem alimentados e bem tratados. Assim, uma terceira situação foi criada com ataques ao portal por pessoas que politizaram a questão nos chamando de “facistoides, blog de segunda, sensacionalistas e elite a serviço da direita para atacar a gestão Edinho Silva”. Ledo engano de uma leitura ideológica que não nos assusta, pois sabemos que é mais fácil atacar quem denuncia que levantar-se para fazer algo de útil pelas pessoas que ali se encontram ou pelos animais. Mas enfim, segue o baile.
Para aprofundar o assunto, esteve presente em nossa redação na manhã do dia 24 de junho, o presidente do Conselho Municipal de Proteção e Defesa dos Animais de Araraquara, Sebastião Barbosa, que tomando conhecimento da matéria e dos fatos no sábado (22) foi até as marquise do Gigantão para conversar com os moradores.
“Quando cheguei passava das 7 horas, apenas dois deles estavam acordados, outras cinco pessoas ainda dormiam. Tentei dialogar com eles, mas fui recebido com hostilidade por esses dois que discutiam entre si, o sumiço de um dinheiro que seria usado para comprar bebida. Eles apenas me disseram que “aqui ninguém mata gato não” e queriam de todas as formas que eu desse dinheiro a eles para que pudessem comprar um Corote; estavam alucinados, tive que me retirar até por questão de segurança evitando assim um confronto” – afirmou Sebastião.
Perguntado sobre a possibilidade dos cães que moram no local matar os gatos, Sebastião diz que os cachorros podem até matar, mas não comem gato e não entende o fato de um dia ser encontrada uma pata e dois meses depois um rabo. “É necessário que se apure o que está acontecendo, pois isso não vai parar aí”- finalizou Barbosa.
Procuramos também Márcio William Servino, sempre incansável na luta de prevenção às drogas. Atualmente é membro do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas, cargo que exerce desde 2006 e traçando um parâmetro das pessoas que moram no local, ele diz que há contextualizações entre moradores de rua e usuários de álcool e drogas. No Gigantão ele diz que têm alcoolistas e usuários de drogas.
Para ele uma abordagem social é fundamental, embora diga que já existe trabalho feito pelo Centro Pop e também tem o pessoal da Casa Transitória atuando na identificação destas pessoas. Segundo Servino, é a partir deste ponto que é necessário saber quem realmente é de nossa cidade para que a rede de saúde e assistência social possam fazer o encaminhamento dessas pessoas.
“Devemos considerar a nova lei que o Governo Federal sancionou, a Lei 13.840, que autoriza a internação compulsória de dependentes químicos, sem a necessidade de autorização judicial”, afirma. A norma estabelece que a internação involuntária deverá ser feita em unidades de saúde e hospitais gerais, com aval de um médico e prazo máximo de 90 dias, tempo considerado necessário à desintoxicação.
A solicitação para que o dependente seja internado poderá ser feita pela família ou responsável legal. Não havendo nenhum dos dois, o pedido pode ser apresentado por servidor da área da saúde, assistência social ou de órgãos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad).
“O que falta muitas vezes é orientação aos familiares que já sofrem muito com a situação e que quando vão para a rua, acabam dando uma folga a elas que sofrem com a co-dependência. Os familiares não se atentam que podem pedir a internação desse usuário tanto de álcool como de drogas, embora muitos que optaram por morar nas ruas já passaram por tratamentos e são chamados de recaídos.
Segundo Márcio existe um trecho que é percorrido por essa população que escolheu viver assim. O trecho vai de Catanduva a Rio Claro e eles escolhem Araraquara por ficar no meio do caminho. Ele salienta ainda que a nossa cidade tem uma cultura em dar esmolas e alimentação, por essa razão aqui se instalam.
De acordo com o dirigente do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas, pelo menos 90% da população de rua são formados por homens, mas o que lhe assusta é a precocidade desses indivíduos, entrando cada vez mais cedo na questão da vulnerabilidade: “Rapazes de 20, 30 anos nesta situação”.
Para ele há necessidade de se ofertar tratamento, pois Araraquara possui duas comunidades terapêuticas que poderiam fazer parceria com o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSAD), integradas ao pessoal da equipe de rua e Assistência Social, para acolher e não somente fazer um trabalho higienista, resolvendo apenas o problema do local e não das pessoas. “Elas estão doentes, são dependentes químicos e esses tratamentos em sua maioria são em regime fechado e não adianta apenas tratamento nas unidades; temos que oferecer um tratamento multidisciplinar, onde o social identifica e a saúde tem como abordar, temos como fazer isso, além da orientação aos familiares”.
Servino tem o entendimento de que muitos desses homens podem estar cometendo pequenos delitos, além de fazer uso de drogas ilícitas nas marquises do Gigantão, inclusive há narrativas de prostituição. A partir do momento que se esgotam as tratativas de saúde, é hora da polícia intervir, garante o voluntário.
Assim, questionamentos que devem ser respondidos pelo poder público como; onde estão os registros das abordagens, quantos que estão nas ruas, quantos os técnicos do Centro Pop conseguiram levar para um tratamento, quantos aderiram a uma proposta, o que foi oferecido de tratamento para esses usuários? Aguardamos respostas.
Ainda segundo Márcio, há duas entidades cadastradas pelo Estado para receber esses usuários gratuitamente, pois o estado financia para que ele fique internado de 6 a 9 meses o que falta é encontrar quem faça as tratativas.
Hoje na cidade quando se fala em acolhimento e tratamento, muitos descartam com respaldo nos direitos humanos, como se fosse direito do indivíduo ficar se embriagando, fazendo uso de drogas, se matando aos poucos e agora matando animais. É isso que chamam de direitos humanos? O que vem sendo feito no sentido de prevenção, quanto o Poder Público investe?
Segundo dados passados por Servino, a prefeitura tem hoje 70 pessoas internadas que custam mensalmente cada uma em torno de R$ 2.400 aos cofres públicos, deste total, 10 são menores de idade. Não seria mais lucrativo a prevenção? Para Márcio, não há prevenção em Araraquara, “estão apenas apagando incêndio, precisamos de uma política específica sobre drogas para todos os segmentos, não podemos apenas manter o problema como vem sendo feito, considero o que está acontecendo no Gigantão uma bomba relógio”- finalizou.
A reportagem também entrou em contato com a presidente da Casa São Pio Magda Leite, uma das pessoas mais respeitadas no meio, pelo trabalho que desenvolve na cidade sobre acolhimento e tratamentos com pessoas em situação de rua . Magda acredita que ninguém que está nas ruas, se alimenta de carne de gato, devido ao fato deles terem em abundância refeições doadas por associações, Centro Pop e Casa Transitória. Para ela, esse caso é de malvadeza, atitudes de pessoas que estão fora de si, descontroladas.
Ela ressalta que diante de tantos atendimentos que faz para pessoas em situação de rua, acredita que esse tipo de abordagem que é feito, não funciona e explica que “para um tratamento no CAPSAD é necessário que esses usuários que estão nas ruas se dirijam até o local, que levem suas famílias, que participem de reuniões, mas eles não vão, isso não adianta para moradores em situação de rua. Sem contar que para conseguir uma vaga para internação compulsória demora meses, não querem regras, querem liberdade e nas ruas a única coisa que eles têm a fazer é pedir dinheiro para consumo de álcool e drogas, o restante eles têm, então por que aceitariam um tratamento se conseguem ajuda diariamente? Para conseguir dinheiro eles mentem, se vitimizam, conheço muitos que dizem que estão montando sua casinha, ou que falta algo em casa para as crianças, lorota e o povo dá dinheiro a eles, só pedem ajuda quando estão no fundo do poço”.
Para Magda é necessário a intervenção da polícia com maior número de abordagens, pois muitos que estão nas ruas são procurados, têm ficha criminal; atuação da Vigilância Sanitária no local, para que sintam que viver em sociedade significa ter regras e limites. “Eu já fui até a marquise do Gigantão e consegui tirar um casal que vivia ali sem a menor condição de higiene, pois quando entram no mundo das drogas, eles escolhem ficar nas ruas e Araraquara tem aumentado muito essa população em situação de rua. É preciso a intervenção da polícia para que os grupos se espalhem e assim procurem ajuda”. Ainda segundo Magda, a chácara da Casa São Pio abriga hoje 40 homens que se cansaram dessa vida e lutam diariamente para se livrar do vício. “Tem que ter força de vontade, se entre dez, um procurar ajuda, já é uma vitória”-finaliza Magda.
Em contato com a reportagem na noite de segunda-feira (24), Carolina de Camargo Francisco de 22 anos, diz que conheceu um dos moradores da marquise do Gigantão no semáforo, e por ele ter cachorro, passou a frequentar o local na tentativa de convencê-los a deixar o lugar e procurar ajuda. “Sou uma espécie de conselheira deles, converso muito com esses moradores, mas já percebi que escolheram estar na rua, todos que estão lá têm família na cidade, apenas um deles não tem, outro inclusive, a mãe prefere enviar dinheiro para que ele permaneça distante de casa, para evitar problemas ” – afirma ela.
Carolina disse também que os cachorros que ali vivem, podem ter atacado os gatos, ou ainda alguém ter jogado os restos dos animais no local para incriminá-los, pois tem muita gente que deseja vê-los fora da marquise. Ressaltou que antes de fazer acusações é necessário que se verifique.
Diante do exposto é nítida a necessidade de interferência do poder público, para que o individual não se sobreponha ao coletivo. Todos têm o direito de ir vir e livre arbítrio, mas postergar problemas e repudiar informações concretas, diante de cenas dantescas é arrancar dessas pessoas o direito de ser humano.
O QUE DISSE A PREFEITURA
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Assistência Social esclarece que tem conhecimento e monitora já há algum tempo a situação de seis pessoas em situação de rua, alojadas na parte externa no Gigantão.
Já foram realizadas várias abordagens, inclusive com a participação da Secretaria de Esportes e Lazer e a Secretaria de Cooperação dos Assuntos de Segurança Pública, através da Guarda Municipal (GM), já que ali também é uma cena de uso de droga; ou seja, além das pessoas que estão alojadas, outros frequentam o local no período noturno e vão até lá para usarem drogas, por isso as ações da GM no local.
Vale destacar ainda que foram oferecidos várias vezes os serviços da Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social a essas pessoas, mas eles se recusam a deixar o local. No último sábado houve nova tentativa de abordagem, mas não havia ninguém.
A Secretaria oferece o atendimento à população em situação de Rua através da Casa Transitória, Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua – Centro POP e Serviço Especializado em Abordagem Social. É válido salientar que mesmo para aqueles que não aceitam o acolhimento as unidades estão abertas para almoço, jantar e banho.
Aceitar atendimento é fator preponderante para a atuação das equipe do Centro Pop, Abordagem Social e Casa Transitória. É realizada a abordagem, oferece-se o atendimento, mas caso a pessoa não aceite, a equipe de abordagem continua o monitoramento e articula o atendimento com as demais políticas publicas.
Também é importante esclarecer, a respeito da matéria publicada no final de semana alegando que estes moradores estariam consumindo gatos, que não há nenhum indício de maus tratos de animais naquele local. Até porque a Secretaria está ciente de que grupos de voluntários que servem comida no período noturno passam naquele ponto.
Por conta da matéria, o assunto foi discutido com a Comissão de Proteção dos Animais da OAB/Araraquara neste fim de semana. Não há histórico de qualquer tipo de maus tratos a animais na cidade por parte dos moradores de rua.
A Secretaria repudia este tipo de informação, sem nenhuma prova, e considera a matéria irresponsável, já que acaba incitando a população contra essas pessoas que já estão em situação de vulnerabilidade.
A abordagem a estas pessoas é delicada, ininterrupta e o objetivo é retirá-las dessa situação.
A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social esclarece que temos atualmente 140 pessoas acolhidas nos serviços de assistência social públicos e nas organizações da sociedade civil.
NOTA DA REDAÇÃO
Diante do exposto pela reportagem observa-se que, como já era de se esperar, o Governo Municipal trata a matéria como sendo irresponsável, contrariando até mesmo opiniões dos que convivem voluntariamente com os moradores de rua. Isso é natural em muitos políticos.
No caso do Gigantão, a irresponsabilidade é do Governo Municipal, que fecha os olhos para o material apresentado, subestima a inteligência da população e não consegue enxergar o que está bem na sua frente. Nega-se a ver a verdade e os meios que poderiam resolver o problema.
Para se ter a dimensão do problema instalado na cidade na madrugada deste sábado (29), Pablo Flexima do Norte de 37 anos, morador em situação de rua foi morto a facadas na Avenida Vaz Filho, por outros dois companheiros na mesma situação. O esfaqueamento se deu, devido a uma dívida de drogas que somava R$ 10 reais.
Tente chegar de viagem de madrugada na Rodoviária e não ser abordado ou intimado pela população em situação de rua que tomou conta do espaço, depois sim, diga quem é o irresponsável.