Não faz tanto tempo, a segunda safra de milho, ainda chamada de safrinha, era, de fato, apenas uma safrinha. Uma pequena janela de plantio que os produtores rurais utilizavam para não deixar a terra parada e garantir um pouco de renda. Mas uma combinação de fatores possibilitados pela tecnologia mudou completamente esse cenário, e o etanol de milho já é uma realidade no Brasil.
A cana-de-açúcar cultura forte na região de Araraquara, pode encontrar em adversário a altura na produção do etanol? Para trazer luz sobre o tema o Portal RCIA conversou com Luís Henrique Scabello de Oliveira, presidente da Associação dos Fornecedores de Cana de Araraquara (Canasol) e diretor da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana).
Luís Henrique diz que temos que enxergar um cenário muito maior, se colocarmos o milho como concorrente da cana, temos que ver antes de tudo, que ele faz parte da cadeia alimentar. “O mundo tem exigido cada vez mais alimentos, será que haveria excedentes de milho a preços convidativos para produzir etanol? Se realmente o etanol de milho entrar forte no mercado e começar a concorrer, a cana não poderá ter medo desta concorrência, terá que responder a altura com mais produtividade, mais economicidade”, ressaltou ele.
O presidente afirma ainda que o setor sofre com o entrave da produção de cana. “Nossa produtividade há muito está estagnada. A eliminação da queima teve um impacto drástico para a cultura da cana-de-açúcar, além da colheita mecanizada ter impactado na produtividade da cana. Houve uma mudança no ambiente ecológico do local, que culminou no aparecimento de pragas complicadas, como a cigarrinha, o fungo Sphenophorus, plantas daninhas que não eram usuais na cana como a mucuna, espécies de cipós”, explicou Luís.
Ele explica ainda, que não havia uma ação direta do fogo, mas sim quando se deixa uma palhada sobre a cana, mudamos a microbiologia do local e que pode tanto favorecer ou desfavorecer. “É o caso dos Sphenophorus, que se escondem na palhada da cana, que anteriormente após a queima, ficava exposto aos inimigos naturais. Ele causa prejuízos severos à plantação” diz o canavieiro.
Luís Henrique acredita que em nossa região não deveremos ter usinas voltadas para o etanol de milho. “Nossas terras não são produtoras de milho, produzimos cana. Hoje a produção de milho no Brasil, tem sido preferencialmente a safrinha, que é depois da colheita da soja, e com custo mais barato. E é este excedente do milho safrinha que poderá ser usado para produção de etanol. Mas não devemos temer os biocombustíveis, o mundo caminha para a substituição dos combustíveis fósseis, alguns países estão adotando os veículos elétricos, mas muitos países poderão adotar o etanol, mas só seremos uma grande base exportadora de etanol se tivermos excedente de etanol, mas se nossa conta for justa como tem sido nos últimos anos, nós nunca exportaremos. Inclusive muito etanol de milho entrou no país principalmente no nordeste para suprir a produção brasileira.
No Brasil a cultura da cana-de-açúcar é a terceira mais plantada no país, perdendo apenas para soja e milho, sem considerar as áreas de pastagens.
POLÍTICAS DESASTROSAS
Ainda de acordo com presidente da Canasol, na gestão da presidente Dilma Rousseff , houve o maior desincentivo possível para o produtor de cana. “O preço do etanol é balizado pelo preço da gasolina e quando o governo Dilma resolveu segurar o preço dos combustíveis, fomos obrigados por todo aquele período a produzir etanol e consequentemente a cana que é a matéria prima, abaixo do custo de produção, isso criou um grande desincentivo, teve impactos enormes na vida dos produtores de cana, das usinas. Veja quantas usinas fecharam e os produtores ficaram sem receber e não é do dia para a noite que consertamos tudo isso”, explicou.
Afirmou ainda que somente a partir do ano passado começou um programa, chamado RenovaBio. “Este programa faz com que haja uma remuneração pelo benefício que o etanol produz, ao retirar carbono da atmosfera, onde o consumidor de derivado de petróleo acaba pagando pela própria poluição que gera e o álcool acaba recebendo pela despoluição. Um programa que ainda está engatinhando e nós estamos em uma batalha muito grande para que produtores recebam esses créditos de carbono chamados de CBios, afinal crédito de carbono é gerado na lavoura e não dentro das usinas”, finalizou o presidente da Canasol.
USINAS DE ETANOL DE MILHO
A primeira usina de etanol a utilizar o milho como matéria-prima para fabricação do combustível foi a Usimat, localizada em Campos de Júlio, a 555 km de Cuiabá. Hoje, só em Mato Grosso já são cinco usinas em atividade.
Em janeiro deste ano foi aprovado pelo Grupo São Martinho a construção de uma planta de processamento de milho para produção de etanol na Usina Boa Vista, em Quirinópolis (GO). O investimento será de R$ 640 milhões com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a previsão é de operação após abril de 2023. A planta terá capacidade de processar 500 mil toneladas de milho ao ano, com potencial de 210 milhões de litros de etanol por safra.
No estado de Mato Grosso, só 10% da produção de milho é ainda utilizada para produção de etanol. Mas de acordo com a União Nacional do Etanol de Milho (Unem), a expectativa é de que, em poucos anos, essa produção salte para 30%.
De acordo com o Instituto de Economia Agrícola (IEA), a produção de etanol de milho possui algumas particularidades quando comparada à produção a partir da cana de açúcar. O custo de produção do etanol de milho é maior que o da cana, no entanto, uma tonelada de cana-de-açúcar pode gerar em torno de 70 a 85 litros de etanol, uma tonelada de milho produz cerca de 400 litros.