As ações adotadas por Araraquara no enfrentamento da pandemia da Covid-19 foram destaque internacional novamente nesta quarta-feira (15), com reportagem publicada no jornal francês “Libération” e escrita pela jornalista Chantal Rayes.
Com o título “Em Araraquara, confinamento para evitar o caos”, o texto faz um paralelo entre a situação do Brasil, com a pandemia fora de controle, e Araraquara, onde medidas rígidas de isolamento social reduziram casos, internações e óbitos causados pelo coronavírus.
Em setembro do ano passado, o mesmo jornal francês já havia publicado reportagem sobre a estrutura montada por Araraquara no combate à pandemia.
A repercussão internacional continuou neste mês, quando a Al Jazeera, veículo de comunicação do Catar, e a CNN Internacional repercutiram os resultados do lockdown implantado no município entre 21 de fevereiro e 2 de março.
No texto publicado nesta quarta-feira, o “Libération” explica que a circulação da nova variante do coronavírus (a P.1., conhecida como cepa de Manaus) agravou o panorama da pandemia, o que levou à adoção do lockdown no município.
“Durante dez dias, Araraquara foi o laboratório de um experimento tabu no Brasil por causa da feroz oposição de Jair Bolsonaro a qualquer restrição à liberdade de movimento: a palavra lockdown (“confinamento”) usada aqui em inglês, para enfatizar seu lado extremo”, afirmou o jornal francês.
“Enquanto o número de mortes da Covid-19 batia novo recorde no Brasil – 4.195 mortes em 24 horas -, Araraquara saboreou a vitória sobre o vírus. Pela primeira vez em um mês e meio, nenhuma morte pela doença foi registrada nesta cidade industrial de 240 mil habitantes”, escreveu a repórter do “Liberation”.
ÍNTEGRA DO TEXTO
Em Araraquara, confinamento para evitar o caos
Nesta cidade do estado de São Paulo, o prefeito “Edinho” da Silva havia decretado confinamento restrito no final de fevereiro, ao contrário da política do presidente Bolsonaro
Por Chantal Rayes, correspondente em São Paulo
Segunda-feira, 6 de abril: Enquanto o número de mortes da Covid-19 batia novo recorde no Brasil – 4.195 mortes em 24 horas -, Araraquara saboreou a vitória sobre o vírus. Pela primeira vez em um mês e meio, nenhuma morte pela doença foi registrada nesta cidade industrial de 240 mil habitantes – uma das poucas, no próspero estado de São Paulo, ainda nas mãos do Partido dos Trabalhadores (PT).
Naquela semana, o vírus não matou ninguém por quatro dias. Este é o resultado do confinamento rigoroso imposto no final de fevereiro pelo prefeito Edson da Silva, a quem até seus adversários chamam pelo apelido de “Edinho”. A voz está cansada no final da linha. Edinho não se alegra: “É uma luta constante, estamos perante a maior tragédia da história do Brasil.”
Durante dez dias, Araraquara foi o laboratório de um experimento tabu no Brasil por causa da feroz oposição de Jair Bolsonaro a qualquer restrição à liberdade de movimento: a palavra lockdown (“confinamento”) usada aqui em inglês, para enfatizar seu lado extremo. “Não tínhamos escolha”, explica o prefeito. “A variante brasileira foi uma virada de jogo. Detectamos no final de janeiro, graças a uma triagem massiva. Até então, nosso sistema de saúde respondia rapidamente ao vírus”. Mas em algumas semanas, ele vacila. A curva de contaminação está aumentando. A das mortes também, em uma cidade que orgulhosamente exibia uma das taxas de mortalidade mais baixas do país.
CAOS DE SAÚDE
“A nova cepa é muito virulenta”, atesta Edinho. “Veio de Manaus por via terrestre, onde é feita a maior parte dos eletrônicos e das motocicletas vendidos no Brasil. Araraquara, uma cidade em encruzilhada, seria inevitavelmente afetada”. A menos, é claro, que as fronteiras internas tenham sido fechadas, o que nunca foi considerado, apesar do caos sanitário que tomou conta da cidade amazônica no início do ano. “O Bolsonaro sabia o que esperava o Brasil, ele poderia ter saído na frente, convocado a indústria para aumentar a produção de oxigênio e remédios para facilitar a intubação”, continua o prefeito. “Ele não fez nada.”
No domingo, 21 de fevereiro, ao meio-dia em ponto, as sirenes soaram o início de um bloqueio ainda mais draconiano do que na Europa. O transporte público foi suspenso, os supermercados tiveram que fechar. Ricardo é professor. Sua esposa, uma assistente social, nunca trabalhou tão duro como durante o confinamento. “As pessoas estavam pedindo ajuda alimentar”, diz ele. “Muitos não podem se dar ao luxo de estocar à frente.” Consequentemente, foi necessário reabrir antes do prazo.
AMEAÇAS DE MORTE
Enquanto especialistas pedem contenção nacional, Araraquara está na vanguarda. Edinho teve coragem, comenta o jornalista Raphael Pena. “Recebeu ameaças de morte por ousar fechar a cidade. A direita e a extrema direita estão em ação aqui.” “Se outros prefeitos gostassem dele, haveria menos mortes no Brasil”, acrescentou Terezinha, cuidadora. Atualmente, seu empregador de 86 anos teve de ser hospitalizado. “Sem o bloqueio, não teríamos encontrado um lugar para ele no hospital”. Com a queda acentuada nas infecções e nas hospitalizações, Araraquara pode até se dar ao luxo de ajudar as cidades vizinhas, de onde vêm muitos dos pacientes atualmente hospitalizados.
Rita não gostava muito de restrições. “As ruas desertas pareciam um campo de ruínas, a polícia impedia as pessoas a andarem, mas os bandidos continuam a correr”, repreende essa aposentada. “O ano já passou e o país está paralisado. Do que as pessoas vão viver? Eles devem ser educados, em vez de fechar tudo”. Bolsonaro faz o contrário quando prega contra o uso de máscara, mas Rita finge ignorar isso.
Veja a reportagem no site do jornal “Libération”: