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Nova Lei de Abuso de Autoridade divide opiniões em Araraquara

Para o advogado Evandro Malara, ‘a nova lei fere a Constituição no sentido de castrar o livre convencimento dos julgadores’

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A Lei de Abuso de Autoridade (nº 13.869) começou a valer para todos os agentes públicos do país na última sexta-feira (3). O texto, que foi promulgado em setembro de 2019 com algumas mudanças, prevê punição a 45 condutas de todos os agentes públicos do Brasil com penas que vão de 2 a 4 anos de detenção, além da perda do cargo em alguns casos.

O novo texto, que substitui uma legislação já existente desde 1965, que era exclusiva para o Poder Executivo, amplia as condutas descritas como abusivas na legislação anterior e estabelece que seus dispositivos se aplicam a servidores públicos e autoridades, tanto civis quanto militares, dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e também do Ministério Público.

Dentre as novas medidas, estão a punição de agentes por decretar condução coercitiva de testemunha ou investigado antes de intimação judicial; promover escuta ou quebrar segredo de justiça sem autorização judicial; divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir; continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado ou que tenha solicitado a assistência de um advogado; interrogar à noite quando não é flagrante; e procrastinar investigação sem justificativa, por exemplo.

O presidente Jair Bolsonaro tentou vetar 23 das 53 condutas definidas inicialmente como abusos de autoridade, mas 15 acabaram sendo restauradas ao texto depois de análise dos parlamentares.

PUNIÇÕES SEVERAS

Do total, 45 condutas poderão ser punidas com até quatro anos de detenção, multa e indenização à pessoa afetada. Em caso de reincidência, o servidor também pode perder o cargo e ficar inabilitado para retornar ao serviço público por até cinco anos.

A lei ressalta, no entanto, que só ficará caracterizado o abuso quando o ato tiver, comprovadamente, a intenção de beneficiar o autor ou prejudicar outra pessoa. A mera divergência interpretativa de fatos e normas legais (a chamada hermenêutica) não configura, por si só, conduta criminosa.

Para o delegado Elton Negrini, as mudanças não devem atrapalhar o trabalho policial (Foto: Suze Timpani)

MUDANÇAS NÃO DEVEM ATRAPALHAR

O delegado plantonista da Delegacia Seccional de Polícia Civil de Araraquara, Dr. Elton Hugo Negrini, entende que as mudanças não devem atrapalhar o trabalho policial, pois, no geral, a nova legislação não muda muito a conduta policial.

“Eu acredito que as mudanças não devem interferir no trabalho do policial, pois a maioria dos itens já existia e já eram respeitados pelos agentes de segurança. Entendo que vamos precisar tomar mais cuidado com a relação à imprensa, já que exibir imagens de uma pessoa detida, agora passa a ser crime passível de até quatro anos de detenção. Em minha opinião, um ponto que pode gerar controvérsia é no que tange a constranger o preso a produzir provas contra si ou contra outros. No caso de motoristas que são flagrados embriagados, o policial deverá tomar mais cuidado quando indicar ao mesmo para que faça o teste de sangue que poderá comprovar a sua embriaguês. Mas, no geral, a lei prevê que as garantias constitucionais sejam respeitadas”, ressaltou o delegado para a reportagem do Portal RCIA.

O advogado Evandro Malara acredita que a lei atrapalhará o trabalho dos juízes (Foto: Suze Timpani)

Lei castra o trabalho do julgador

Para o advogado Evandro Malara, a lei não tem traz grandes novidades, pois apenas tipifica crimes que já existiam na lei 4898/65 de 1965. Porém, o fato de punir com prisão algum ato considerado ilícito por qualquer agente público, deve dificultar o trabalho do mesmo e, em alguns casos, até facilitar a vida do criminoso.

“A lei de 1965 já criminalizava os atos cometidos pelo agente público assim como a nova lei, mas o que se discute agora com essa lei editada pelo Congresso é, na minha visão de forma absurda, por exemplo, com relação à intimação prévia, conhecida como condição coercitiva, que já existia na Constituição Brasileira. Na lei anterior que criminalizou as condutas de autoridades, qualquer autoridade do Judiciário que cometesse um erro humano, era advertida. Já na nova interpretação da lei, surpreendentemente pelo lado negativo, em minha opinião, ela coloca em um de seus artigos a prisão de juízes que, por exemplo, decretam uma prisão cautelar contra alguém, mesmo que ele entenda que há indícios através do princípio do livre convencimento para a prisão. Ele pode até ir preso e perder seu cargo de juiz. Agora imagina um magistrado que recebe uma conduta de um criminoso de colarinho branco, organizado, com desvio de dinheiro, que pode decretar a sua prisão cautelar e não definitiva e, por isso, ser punido criminalmente e perder seu cargo. Em minha opinião, nesses pontos que citei, essa lei ata, prende e algema, as organizações institucionais como o Ministério Público e o Judiciário na apuração de crimes de organizações criminosas. Outro artigo dessa lei, na minha opinião de forma negativa, versa no sentido de que o patrimônio do criminoso só poderá ser confiscado na medida do quanto ele desviou. Ora, durante o curso do processo podem surgir provas de que o desvio tenha sido muito maior do que se previa, não se pode mais confiscar o patrimônio dele no decorrer do processo. Esse é um ponto que amarra e pressiona os órgãos que apuram crimes de alta periculosidade como é a corrupção que não é considerado assim, mas deveria ser. Eu entendo que esse novo Congresso deveria mudar a sua idéia, apesar de continuar a punir os abusos de autoridade, mas, desta forma, ata as investigações de criminosos bem organizados, principalmente os corruptos, e continua querendo que os presídios estejam lotados de pobres, negros e meretrizes, assim como é hoje. Essa é uma lei que amarra as investigações de criminosos organizados contra o dinheiro público e até em outros crimes mais graves contra a sociedade. Isso fere a Constituição no sentido de castrar o livre convencimento dos julgadores”, opinou o defensor.

 Crimes punidos com detenção de seis meses a 2 anos

♦ Não comunicar prisão em flagrante ou temporária ao juiz

♦ Não comunicar prisão à família do preso

♦ Não entregar ao preso, em 24 horas, a nota de culpa (documento contendo o motivo da prisão, quem a efetuou e testemunhas)

♦ Prolongar prisão sem motivo, não executando o alvará de soltura ou desrespeitando o prazo legal

♦ Não se identificar como policial durante uma captura

♦ Não se identificar como policial durante um interrogatório

♦ Interrogar à noite (exceções: flagrante ou consentimento)

♦ Impedir encontro do preso com seu advogado

♦ Impedir que preso, réu ou investigado tenha seu advogado presente durante uma audiência e se comunique com ele

♦Instaurar investigação de ação penal ou administrativa sem indício (exceção: investigação preliminar sumária devidamente justificada)

♦ Prestar informação falsa sobre investigação para prejudicar o investigado

♦ Procrastinar investigação ou procedimento de investigação

♦Negar ao investigado acesso a documentos relativos a etapas vencidas da investigação

♦ Exigir informação ou cumprimento de obrigação formal sem amparo legal

♦ Usar cargo para se eximir de obrigação ou obter vantagem

♦ Pedir vista de processo judicial para retardar o seu andamento

♦ Atribuir culpa publicamente antes de formalizar uma acusação

Crimes punidos com detenção de um a quatro anos

♦ Decretar prisão fora das hipóteses legais

♦ Não relaxar prisão ilegal

♦ Não substituir prisão preventiva por outra medida cautelar, quando couber

♦ Não conceder liberdade provisória, quando couber

♦ Não deferir habeas corpus cabível

♦ Decretar a condução coercitiva sem intimação prévia

♦ Constranger um preso a se exibir para a curiosidade pública

♦ Constranger um preso a se submeter a situação vexatória

♦ Constranger o preso a produzir provas contra si ou contra outros

♦ Constranger a depor a pessoa que tem dever funcional de sigilo

♦ Insistir em interrogatório de quem optou por se manter calado

♦ Insistir em interrogatório de quem exigiu a presença de um advogado, enquanto não houver advogado presente

♦ Impedir ou retardar um pleito do preso à autoridade judiciária

♦ Manter presos de diferentes sexos na mesma cela

♦ Manter criança/adolescente em cela com maiores de idade

♦ Entrar ou permanecer em imóvel sem autorização judicial (exceções: flagrante e socorro)

♦ Coagir alguém a franquear acesso a um imóvel

♦ Cumprir mandado de busca e apreensão entre 21h e 5h

♦ Forjar flagrante

♦ Alterar cena de ocorrência

♦ Eximir-se de responsabilidade por excesso cometido em investigação

♦ Constranger um hospital a admitir uma pessoa já morta para alterar a hora ou o local do crime

♦ Obter prova por meio ilícito

♦ Usar prova mesmo tendo conhecimento de sua ilicitude

♦ Divulgar material gravado que não tenha relação com a investigação que o produziu, expondo a intimidade e/ou ferindo a honra do investigado

♦ Inciar investigação contra pessoa sabidamente inocente

♦ Bloquear bens além do necessário para pagar dívidas

Imagens estão vetadas

A Polícia Civil, em comunicado à imprensa, informou que não serão mais divulgadas aos órgãos de comunicação fotos de suspeitos detidos, tendo em vista mudanças na legislação federal através da Nova Lei de Abuso de Autoridade, que entrou em vigor na sexta-feira (3). Confira a nota na íntegra:

 “Em razão das Orientações Gerais sobre a Nova Lei de Abuso de Autoridade, elaborada pela Cogepol e publicada na Intranet da PC, a DCM orienta que não sejam compartilhados ou divulgados vídeos e fotos de presos/investigados/indiciados/conduzidos, de qualquer espécie, ainda que estejam de costas ou que o rosto tenha o efeito ‘desfoque’.

A DCM fará a divulgação, nas redes sociais da Polícia Civil, de notícias sem fotos/vídeos de presos/investigados/indiciados/conduzidos (apenas texto) ou que contenham apenas fotos de apreensões.

Abaixo segue trecho das Orientações Gerais sobre a Nova lei de Abuso de Autoridade publicada na Intranet: ‘Orienta-se não permitir a gravação de reportagens ou imagens do preso/investigado/indiciado para programas de televisão, blogs, redes sociais e afins de cunho sensacionalista em que os presos são expostos, de qualquer modo, à execração pública nas dependências dos órgãos policiais ou fora deles em cumprimento de diligências. Por outro lado, orienta-se solicitar aos órgãos e profissionais da imprensa que não fotografem ou filmem a condução de presos/investigados/indiciados nos locais de busca ou prisão, bem como no órgão policial”, diz a nota.

Por José Augusto Chrispim