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Políticas de combate à violência contra crianças e adolescentes são debatidas na Câmara

Evento realizado nesta semana reuniu autoridades do município, instituições e população no Plenário da Câmara Municipal 

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O conselheiro Márcio Servino usando a tribuna da Câmara

Vereadores, representantes da Prefeitura, instituições, pesquisadores e sociedade em geral participaram de Audiência Pública da Câmara Municipal, na noite de quinta-feira (18), para debater políticas de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes em Araraquara.

Os autores do requerimento de convocação da Audiência Pública foram a vereadora Luna Meyer (PDT) e os vereadores João Clemente (PSDB) e Alcindo Sabino (PT), que compuseram a mesa de condução dos trabalhos.

Os principais encaminhamentos da audiência, sugeridos pelos vereadores e pelo público presente, foram a criação de uma assessoria exclusiva para crianças e adolescentes (desmembrada da atual assessoria para a juventude) e a implantação de um Centro de Referência da Criança e do Adolescente — as demandas serão levadas à Prefeitura. A abertura de uma terceira unidade do Conselho Tutelar em 2027 também será proposta — o próximo mandato, 2024-2027, já está com processo de eleição aberto.

Outras sugestões são a institucionalização dos dias 18 de maio (Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes) e 25 de maio (Dia Internacional das Crianças Desaparecidas) no Calendário Oficial de Eventos do Município de Araraquara.

Além disso, os parlamentares afirmaram que irão apurar quais as medidas da Diretoria Regional de Ensino em relação a esse tema, já que o órgão não esteve representado na audiência, e também irão fiscalizar qual política é realizada no município em relação ao atendimento aos agressores das vítimas, para que não haja reincidência das ocorrências.

“O combate às violências, como um todo, não é dever apenas do político, do servidor. É de todos. Se todos nós estivermos cientes dos protocolos, a gente vira uma rede mais forte e consegue um resultado muito mais positivo”, afirmou Luna.

Alcindo destacou que, na maioria dos casos, as ocorrências são registradas dentro de casa, com pessoas próximas. “É uma coisa que a gente tem que trabalhar, e muito, para a pessoa quebrar esse tabu e denunciar”, declarou.

Já Clemente ressaltou que as políticas públicas devem chegar até o cidadão. “Minha preocupação hoje, enquanto vereador, é que isso possa ter acesso. O protocolo é praticamente perfeito, atinge um arcabouço de garantia de direitos belíssimo, mas desde que chegue até a população”, opinou o parlamentar.

APRESENTAÇÕES

O conselheiro Márcio Servino apresentou o trabalho realizado pelas duas unidades do Conselho Tutelar e alguns dados sobre os casos de violência contra crianças e adolescentes. As ocorrências aumentaram nos últimos anos: foram 31 registros de suspeitas de abuso sexual em 2020, 35 em 2021 e 48 em 2022.

“E isso é apenas a ‘ponta do iceberg’. É o que a gente sabe. Essas são as crianças que tiveram uma família que as conduziram até um atendimento em uma delegacia, em um órgão de saúde. E os milhares de crianças que foram abusadas e não tiveram esse boletim? Estão nas ruas, estão em casa”, disse.

A coordenadora da Escola de Governo do Município de Araraquara, Celina Garrido, detalhou informações do e-book “Orientações Técnicas para o Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes no Município de Araraquara”, lançado pela Prefeitura na quinta-feira.

“O e-book traz orientações técnicas para que profissionais da rede entendam o caminho que devem fazer quando identificam uma situação de violação de direito contra criança e adolescente. Está no site da Prefeitura aberto para todos os que quiserem consultá-lo”, explicou.

A gestora do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) Girassóis, Mônica Favoreto, apresentou o trabalho da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, incluindo também as unidades dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) dos bairros. Os casos de média e alta complexidade são atendidos pelo Creas.

“A gente faz o acolhimento para entender essa família e trabalhar em articulação com a rede para que essa violação de direitos seja superada, que a família entenda a gravidade e as consequências dessa situação”, relatou.

A grande maioria de casos envolve meninas, relata Mônica. De 147 crianças que deram entrada no Creas em 2022, 80 eram por abuso sexual, sendo 69 do sexo feminino. “A gente vive em uma sociedade machista. Entende-se que a mulher não tem direito ao próprio corpo.”

A pedagoga Ana Magnani, mestre em Educação e pesquisadora, há oito anos, das violências vivenciadas pelas crianças e pelos adolescentes, também levou seu depoimento à Audiência Pública. Em suas pesquisas, ela chegou a ouvir uma menina de 10 anos de idade relatar uma ‘tabela de preços’ para relações sexuais.

A especialista também apontou uma subnotificação de casos de abusos sexuais contra meninos, que não denunciam por vergonha da sociedade. “Não há encaminhamento das famílias, em grande parte. De quem nós ouvimos isso? Dos homens que foram abusados na infância”, informou.

Ana ainda afirmou que muitas crianças são induzidas a ‘naturalizarem’ os abusos. “Temos pessoas adultas hoje nos contando que os seus abusadores diziam a elas: ‘você é minha para ser usada primeiro’. E o que essas crianças relatam na fase adulta? ‘Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, porque foi uma pessoa que me conquistou, de relação muito próxima, e que eu achava que me amava’. Então, essas denúncias não chegam”, disse a pedagoga, que defendeu a educação sexual nas escolas como forma de informar e conscientizar.

Valquíria Maria do Amaral, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comcriar), parabenizou o Legislativo pela iniciativa. “Eu me alegro muito de estar aqui nesta discussão vendo os diversos setores envolvidos dialogando. A resposta não está com uma pessoa só. Está com todos”, opinou.

Ainda estiveram presentes na Audiência Pública a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, Rita de Cássia Ferreira, também representando a Secretaria Municipal da Educação; a comandante da Guarda Civil Municipal, Juliana Zaccaro; a gestora do Centro Municipal de Referência do Autismo, Karina Maia; Patrícia Marchetto e Lui Carvalho, representando a Rede Protetiva e de Prevenção ao Desaparecimento de Crianças da Unesp Araraquara; e o advogado e ex-vereador Flávio Haddad.