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Técnico de Enfermagem da UPA desabafa: “Estamos todos no mesmo barco”

“A única diferença, entre nós e os outros é que enquanto os outros lotavam praias e clubes nas festas de final de ano, sem se proteger, nós já estávamos aqui aguardando você chegar após sua negligência” (Adriel Lozano Campos)

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Adriel, bem antes da pandemia, no seu ambiente de trabalho

2:35 da madrugada, do dia 10 de fevereiro, uma quarta-feira. O que poderia ser hora de sono e sonhos para o técnico em enfermagem Adriel Lozano de Campos, é tempo de pesadelo. Seus passos cada vez mais rápidos entre uma sala e outra na UPA da Vila Xavier que se tornou polo de atendimento aos casos de Covid-19 em Araraquara, ensaiam uma rotina, quebrada apenas pela vontade de desabafar, após tantos meses de pandemia. E o faz escrevendo.

“Eu trabalho na UPA da Vila Xavier, referência pra Covid-19 em Araraquara, estamos sobrecarregados de trabalho, todo dia um ou mais colegas se afasta por quê “positivou”, a equipe está cada vez mais reduzida, a estrutura já não comporta mais, os hospitais que encaminhamos os pacientes pra internação estão ficando sem leitos, nós também não temos mais leitos!”, comenta o técnico de enfermagem.

Com colegas de trabalho, momento de lembrança, sem imaginar que os profissionais da Saúde viveriam o drama de uma pandemia

Casado, pai, Adriel, nestas últimas semanas tem sentido o drama dos pacientes que chegam à UPA em busca de socorro, situação que jamais poderia imaginar fosse ocorrer; contudo seu desabafo em defesa dos colegas parece ser natural impressiona e se mistura ao que poderia ter sido evitado: “ As festinhas de fim de ano custaram caro?, as praias também! Agora brigam no saguão por atendimento, todo mundo quer prioridade, reclamam do tempo de espera, como se estivéssemos negligenciando atendimento.”

Em determinado momento desta tarefa que se resume em receber pessoas, encaminhá-las e depois olhar por elas, apenas uma pausa para o recado que envia todos de forma objetiva: “Você que está lendo isso, repasse aos outros, a equipe que você critica enquanto aguarda seu atendimento, também adoece, também cansa, e também está sofrendo a perda de familiares com essa doença. Hoje estou aqui de plantão, sendo forte, cuidando e tentando passar uma mensagem de esperança aos pacientes que estão sob meus cuidados, neste momento ( 2:35 da madrugada) enquanto eles descansam eu velo por eles, já interrompi várias vezes este texto pra atender alguém”.

De fato, há poucos passos daquele amontoado de gente pedindo para viver, diz Adriel: “Ouço tosses e respirações ofegantes o tempo todo, o barulho do oxigênio das máscaras tem sido nossos companheiros. Preciso ser forte, ainda sinto as sequelas do Covid-19 que venci recentemente, canso à cada esforço pra ajudar um paciente”.

Do lado de fora da UPA, familiares de pacientes, acompanham em silêncio o que acontece no interior da unidade de saúde. Não são apenas os gritos, mas profissionais da saúde apressados em prestar socorro aos que chegam e o fazem com dignidade e respeito. Com seis óbitos nesta sexta-feira (12/2) em decorrência da Covid-19, recorde de vítimas em Araraquara em um dia, fevereiro ultrapassou, em apenas 12 dias, o mês de janeiro em quantidade de casos fatais relacionados ao coronavírus. Foram registrados 25 óbitos neste mês, contra 24 no mês passado. De acordo com dados da Prefeitura, foram notificados, até o momento, 141 óbitos pela doença, quase 35% somente em 2021.

Com a esposa, momento de felicidade pontuado pelo tempo

O DESESPERO AUMENTA

Logo após mais um atendimento como técnico de enfermagem, Adriel, respira fundo e faz saltar no texto uma lembrança: “Neste momento, um ente querido meu (seu sogro) está entubado em outro hospital, lutando pela vida, ainda que dói, não posso parar, preciso cuidar,  não me sinto herói, apenas cumprindo com nosso juramento que é salvar vidas, mesmo que pra isso tenha que enxugar uma lágrima e continuar.

É exatamente isso, por questões éticas da atividade que exerce que ele não quer falar e aqui as palavras são nossas (RCIA) pois em meio ao caos da pandemia funcionários da UPA tem sido ofendidos e quase agredidos por pacientes e familiares que forçam atendimento. Mas a sutileza do profissional dentro do seu texto parece nos encaminhar a um entendimento mais claro: “Portanto, quando vier pra atendimento, não olhe só pra si e pra seu próprio umbigo. Todos nós estamos nesse barco, sofrendo igual, passando pelas mesmas tristezas, o fato de estarmos do lado de cá não nos faz imortal, talvez aquela enfermeira que você gritou que paga o salário dela, ainda está sofrendo o luto de alguém que perdeu recentemente, e mesmo assim está ali tentando salvar vidas, aquele médico que você acha que está trabalhando devagar demais, se você reparar vai ver que ele pode estar até suando, pois também está adoecendo, por ser tão de carne e osso quanto você. A única diferença,entre nós e os outros é que enquanto os outros lotavam praias e clubes nas festas de  final de ano, sem se proteger, nós já estávamos aqui aguardando você chegar após sua negligência.”

Casal com os filhos

Adriel, esta semana ao desabafar nas redes sociais, busca ser claro e objetivo quanto aos serviços que os profissionais da Saúde prestam, mas ao mesmo tempo mostra o quanto tem sido difícil cumprir sua missão e voltar: “E agora a conta chegou, pra todos, infelizmente. Hoje, após 24horas de plantão, eu vou pra casa, e como todo dia que eu chego, meu filho virá correndo ao meu encontro me abraçar, e eu vou interromper ele no meio do caminho, e dizer: “Pare, papai está com Covid nas roupas”. Este meu desabafo é pra você, que quando vier buscar atendimento, pense em tudo isso, e seja pelo menos um pouco solidário, NÓS TAMBÉM ESTAMOS NO MESMO BARCO!!!!”.

Nota da Redação: material extraído das redes sociais que visa, através das palavras de um servidor público da área de saúde, reconhecer e valorizar o trabalho de cada um, mostrar o apoio e a responsabilidade familiar e apontar o respeito que devemos ter no tratamento com cada profissional das nossas unidades.