Com um novo boom das commodities (produtos básicos, como petróleo, grãos e minério) no mercado internacional, o Brasil deve voltar a fechar em 2021 as contas externas no azul após 14 anos. De acordo com o Banco Central, depois de um rombo de US$ 12,5 bilhões no ano passado – já considerado baixo para os padrões brasileiros – a estimativa é de saldo positivo de US$ 2 bilhões em 2021, o primeiro superávit desde 2007.
A conta de transações correntes no balanço de pagamentos engloba todos os negócios do Brasil com o exterior, incluindo o saldo comercial de mercadorias e serviços, as remessas de lucros e dividendos e os juros pagos pelas empresas, além das transferências pessoais. A última vez em que o resultado ficou no azul ocorreu no boom global das commodities do começo deste século, quando o Brasil registrou superávits por cinco anos consecutivos a partir de 2003.
Até o fim do ano passado, o BC previa um novo déficit de US$ 19 bilhões nas contas externas para 2021. Mas, com o aumento nos preços das commodities que o Brasil produz, o BC elevou a projeção de resultado em US$ 21 bilhões, para saldo positivo de US$ 2 bilhões.
Com as estimativas para as contas de serviços e de renda primária praticamente estáveis, a grande diferença veio na projeção para a balança comercial em 2021, que passou de superávit de US$ 53 bilhões para US$ 70 bilhões. Se o valor se confirmar, será o maior da história para o saldo comercial medido pelo BC.
Pelas contas da instituição, somente as exportações devem alcançar US$ 256 bilhões este ano, superando o recorde de US$ 253,185 bilhões de 2011. “Apesar de terem começado o ano em nível deprimido, espera-se que as exportações aumentem a partir de março, impulsionadas pelo escoamento da boa safra de soja, pelo patamar elevado para preços de commodities e pela recuperação da demanda internacional”, destacou o BC no último Relatório Trimestral de Inflação (RTI).
O Ministério da Economia também espera um superávit comercial recorde em 2021, de US$ 89,4 bilhões, crescimento de 75% ante o saldo de US$ 50,9 bilhões no ano passado. Enquanto a pasta considera os valores de todos os contratos de exportações e importações, a métrica do BC inclui apenas os recursos que efetivamente saíram e entraram no País. Alta No mercado internacional, os preços das commodities subiram 50% no último ano, conforme o BC.
No mercado brasileiro, em reais, os preços das commodities tiveram alta de 66% no mesmo período. O impacto das commodities nas contas externas é cada vez maior porque o peso dos produtos básicos nas exportações brasileiras é crescente, passando de 53% do total embarcado em 2019 para 57% no ano passado.
O presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, destaca que o crescimento nas vendas desses produtos ocorre muito mais pelo preço do que pela quantidade produzida. “Há um aumento generalizado nos preços de todos esses produtos que o Brasil já produz em grande volume, como soja, milho, minério e petróleo.
Além do aumento na demanda por países que já começaram a sair da crise, há um gargalo de falta de navios e contêineres que ajuda a pressionar os custos”, diz. Para Castro, diferentemente do que ocorreu na primeira década deste século, a alta nos preços das commodities não deve continuar por muitos anos: “Ainda estamos no meio da pandemia, e não consigo imaginar esse movimento como uma coisa duradoura. Pode até haver alguma expansão na produção de alimentos para atender a uma demanda conjuntural decorrente de auxílios de renda, mas na metalurgia não vejo investimentos para a ampliação da capacidade que não terá demanda no futuro. ”
Já o economista chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, projeta um ciclo mais extenso de valorização das commodities, pelo menos enquanto durarem os grandes pacotes fiscais lançados pelas principais economias avançadas. “No meu cenário, o boom das commodities é algo que veio de maneira mais duradoura, porque o ambiente é de liquidez (quantidade grande de recursos) e com uma perspectiva longa no tempo. A União Europeia, por exemplo, já anunciou que vai manter seu pacote até 2026”, conclui o economista.
O economista Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, possui uma visão mais crítica sobre o superávit em conta corrente projetado para 2021. Segundo ele, apesar do desempenho das commodities, o resultado esperado faz parte de um diagnóstico ruim da economia brasileira.
“É sinal de um quadro doméstico deteriorado, com câmbio fora do lugar e dificuldades para a população, o que reduz as importações”, afirma.
A entrada de dólares no Brasil, puxada pelas exportações de commodities, não tem sido suficiente para colocar a moeda americana em patamares mais acomodados. Após ter subido cerca de 30% ante o real em 2020, o dólar à vista acumula alta próxima de 8% em 2021. Em tese, ao receber mais dólares com a exportação de commodities, o Brasil deveria passar por um processo de desvalorização da moeda americana – o que não está ocorrendo. “É a primeira vez que as cotações das commodities sobem e os países produtores pioram no câmbio”, comentou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em um evento recente.
Para ele, esse comportamento atípico ocorre devido à deterioração fiscal e ao aumento da dívida dos emergentes no enfrentamento da pandemia de covid-19. Com a demanda global por commodities, os preços em reais de produtos como soja e milho têm aumentado, o que traz pressão adicional sobre a inflação brasileira.
Embora tratasse no ano passado o fenômeno como passageiro, o BC já reconhece que seus efeitos sobre a inflação são mais duradouros que o esperado. Este foi um dos fatores considerados pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC no mês de março, quando a Selic (a taxa básica de juros) foi elevada de 2,00% para 2,75% ao ano.
Para o economista Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, o dólar não tem cedido ante o real porque a exportação de commodities é apenas um dos fatores de influência sobre as cotações. “Há muita coisa acontecendo. Ao mesmo tempo em que o País exporta bastante e cria um superávit na balança comercial, ocorrem saídas no resto do balanço”, pondera. “É o caso dos resultados de Investimento Direto no País (IDP) e portfólio. Além disso, as expectativas em relação ao futuro do real não são animadoras”, completa.
O professor Michael Viriato, do Insper, destaca que o Brasil conseguiu aproveitar melhor o último boom das commodities (2003/2007), porque o País vinha em uma trajetória de melhora na condição fiscal, que começou ainda no governo FHC e continuou nos primeiros anos do governo Lula: “O câmbio sempre responde ao crescimento econômico e à capacidade de pagamento do País. Lá atrás, o contexto internacional era favorável e o Brasil crescia impulsionado pelo crédito e melhorava seus indicadores fiscais. Agora, o mundo está se recuperando, mas o Brasil está um pouco atrasado e com uma piora nas contas públicas.”
Fonte – Estadão