Em 2019, cerca de 4,3 milhões de estudantes em todo o país não tinham acesso à internet, seja por razões econômicas ou indisponibilidade do serviço na área em que vivem. Desse total, 4,1 milhões são alunos da rede pública. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) Contínua, que investigou no último trimestre de 2019 o acesso à Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). As informações foram divulgadas no dia 14 de março de 2021.
Entre os principais motivos para alunos da rede pública não possuírem internet em casa estão o custo do serviço, falta de conhecimento sobre como usar e indisponibilidade do produto. “Considerando a rede de ensino, vimos algumas diferenças importantes. Enquanto os estudantes da rede privada, 98,4% utilizaram internet, entre os estudantes da rede pública o percentual era menor, 83.7%”, avalia a analista da Pnad Contínua TIC do IBGE, Alessandra Brito.
As diferenças regionais no uso da Internet são mais marcadas entre os estudantes da rede pública. Assim, enquanto nas regiões Norte e Nordeste o percentual de estudantes da rede pública que utilizaram a Internet foi de 68,4% e 77%, respectivamente, nas demais regiões este percentual variou de 88,6% a 91,3%. Quando são considerados apenas os estudantes de ensino privado, o percentual de uso da Internet ficou acima de 95% em todas as grandes regiões, alcançando praticamente a totalidade dos estudantes nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
No início da pandemia de coronavírus no Brasil, as desigualdades sociais e de ensino foram evidenciadas. Professor de ensino fundamental em uma escola pública do Distrito Federal, Bruno Rodrigues, pontua que os alunos sem acesso à internet são os mais prejudicados na modalidade de ensino virtual. “Infelizmente tenho alguns alunos que por falta de aparelho celular ou computador não tem acesso às aulas online e, infelizmente, só tem à disposição atividades e conteúdo impresso sem a intermediação do profissional especializado [professor].”
O professor destaca ainda que a plataforma disponibilizada pelo governo do Distrito Federal não é acessível a todos e, por isso, é necessário a utilização do Whatsapp para poder alcançar o estudante da melhor forma possível. Como alternativa, a escola oferece aos alunos sem acesso a plataforma material impresso, mas Bruno afirma ser uma tarefa que sobrecarrega os professores. “Além de ter que ir atrás de contato com pais e responsáveis, estamos online 24h por dia. Por mais que desejamos e ansiamos, não alcançamos a todos os estudantes como queríamos e poderíamos.”
A estudante Sofia Santana, 19 anos, mora em Contagem (MG) e passou pela transição do ensino físico para o remoto em virtude do agravamento da pandemia da Covid-19. Segundo ela, uma das dificuldades por não ter computador era estudar pelo celular, pois às vezes o aparelho móvel não tinha espaço suficiente para fazer o download do conteúdo. Além de se distrair com o aparelho e não conseguir enxergar bem, pela tela ser pequena.
“O que me prejudicou nessa falta de tecnologia foi a quantidade de conteúdo vista. Sinto que atrasei muito e não consegui ver tantos materiais para estar pronta para fazer uma prova”, afirma a estudante.
O secretário de Educação do Espírito Santo e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Angelo, afirma que a instituição defende o ensino presencial como ferramenta de desenvolvimento dos estudantes. Porém, cada estado deve analisar a situação local e decidir a forma de ensino durante a pandemia. “As autoridades locais devem fazer, caso a caso, uma avaliação da própria realidade, a fim de que, a partir dessa análise, as atividades escolares presenciais possam ser retomadas ou não, conforme as condições epidemiológicas locais”, diz.
ALUNOS UTILIZAM O CELULAR PARA ESTUDAR
A pesquisa do IBGE observou que entre os equipamentos com internet utilizados pelos estudantes estão o microcomputador (56,0%), televisão (35,0%) e tablet (13,4%). Esses percentuais para não estudantes ficaram em 43,4%, 31,0% e 10,1%, respectivamente. O telefone móvel celular foi usado pelas duas categorias, estudantes e não estudantes, totalizando 97,4% e 98,9%, nesta ordem.
Contudo, o grupo de estudantes não é homogêneo. Quando separados por rede de ensino, as diferenças são significativas no uso do computador, da televisão e do tablet para acessar a Internet.
Em 2019, enquanto 81,8% dos estudantes da rede privada acessaram a Internet pelo computador, este percentual era de apenas 43% entre os estudantes da rede pública. O uso da televisão para acessar a Internet foi de 51,1% dos estudantes da escola privada, sendo este percentual o dobro do apresentado entre estudantes da escola pública (26,8%). No uso do tablet, a diferença chega a quase três vezes. Mais uma vez, o telefone móvel celular foi o principal equipamento utilizado para acessar a Internet pelos estudantes tanto da rede pública (96,8%) quanto da rede privada (98,5%).
O acesso à Internet por meio da telefonia móvel celular é um recurso de comunicação e de obtenção de informação que vem sendo visto cada vez mais como integrante do cotidiano de um número crescente de pessoas. Em 2019, o percentual de pessoas com telefone móvel celular para uso pessoal era maior entre não estudantes (82,9%) que entre estudantes (73,2%). Contudo, entre estudantes, houve diferença significativa neste percentual. Enquanto 92,6% dos estudantes da rede privada tinham telefone móvel celular para uso pessoal, este percentual era de apenas 64,8% entre aqueles da rede pública.
Para a mestra em educação, Rozana Maria de Lima, a questão financeira das famílias impacta diretamente na questão educacional e deveria existir, por parte do governo, um suporte tecnológico para cada residência, de forma que o acesso ao ensino chegue a todos.
“O acesso à internet também poderia ser um eixo a ser estudado futuramente para atender as famílias de baixa renda. Mas quando é prestado um suporte ou um auxílio que possibilite fazer essa inclusão digital, viabilizando pelo menos a compra de um celular por residência, o impacto já é amenizado. Pois o cenário da comunicação é estendido, ajudando de alguma forma, tanto na inclusão digital do estudante quanto na das famílias”, afirma Rozana.
O secretário de Educação do Espírito Santo e presidente do Consed, Vitor de Angelo, afirmou que a instituição tem trabalhado com o Congresso Nacional na tentativa de buscar políticas de financiamento e públicas do Ministério da Educação para promover o acesso à internet, como também a compra de equipamentos como celular, tablet e computador para os alunos utilizarem neste período de pandemia e, possivelmente, à longo prazo.
“Essa necessidade que hoje é, sobretudo, emergencial, ligada a uma questão de saúde pública, é um desafio pedagógico. Nós temos buscado junto ao Congresso Nacional para termos do MEC o financiamento para políticas dos estados ou políticas nacionais.”
Octávio Henrique, professor estadual em Belo Horizonte e coordenador do cursinho popular Conceição Evaristo, também na capital mineira, pontuou que a falta de acessibilidade digital prejudicou os estudantes, mas que a instituição popular disponibilizou tablet e notebook aos alunos que precisavam. Mas isso apenas ocorreu quando perceberam que o ensino remoto duraria todo o ano de 2020, antes dessa ação, alguns alunos pararam os estudos.
De acordo com Octávio, uma das maiores dificuldades do ensino remoto foi adaptar a forma de trabalho sem suporte do governo. “Não estávamos acostumados com a forma de executar o nosso trabalho, até porque não podemos chamar de EAD (Ensino à Distância), é um ensino remoto emergencial, porque não existia capacitação prévia para que nós executássemos a nossa profissão. Além de tudo, não temos amparo financeiro do governo para adequação da nossa estrutura de trabalho remoto.”
USO DE INTERNET EM ÁREA RURAL CRESCEU 55,6%
No cenário total de utilização da internet no país, o crescimento mais acelerado do uso do serviço nos domicílios da área rural contribuiu para reduzir a grande diferença em relação aos da área urbana. De 2018 para 2019, o percentual de domicílios em que a Internet era utilizada passou de 83,8% para 86,7%, na área urbana, e aumentou de 49,2% para 55,6%, na área rural.
O crescimento ocorreu em todas as regiões. O Sul apresentou aumento de 67,2%, o Sudeste 64,6% o Centro-Oeste 62,1%, o Nordeste 51,9% e o Norte 38,4%. (Fonte: Brasil 61)