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Exames ginecológicos têm constrangido mulheres diante de estagiários na rede pública

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Exame Gineco 1

Algumas mulheres se sentem constrangidas ao fazer exames ginecológicos diante de estagiários e residentes na rede pública de saúde em Araraquara

Exame Gineco 1

Um assunto que volta à baila, mesmo após discussões e lei aprovada em 2013, ampliada em 2014, restringindo o acesso de médicos residentes e estagiários sem a permissão das mesmas, chegou à redação do Portal RCIARARAQUARA, na tarde desta segunda-feira (18).

A moradora do setor V do Jardim Roberto Semi Dei, Maria Aparecida da Silva Pereira de 47 anos, reclama que todas as vezes que faz exames como Papa Nicolau ou ainda os rotineiros, tem que dividir o consultório com uma “platéia”, às vezes com cerca de seis residentes ou estagiários. Além do constrangimento algumas vezes já teve seu exame feito por um deles. Da ultima vez, após exame, teve sangramento e dores durante a noite e, acredita que seja pelo fato de uma delas procurar demais por seu útero e não encontrar de forma correta.

Ela conta também, que neste mesmo dia, disse ao médico que não gostaria que os estudantes de medicina permanecessem no local, pois não se sentia bem com a situação. O médico então pediu a ela que pelo menos uma das residentes permanecesse no local para fazer o exame.

Maria Aparecida, disse à reportagem que irá procurar outro lugar, mesmo que pago, para que possa fazer seus exames, “não é possível servirmos de cobaia, até entendo que os estudantes tenham que aprender, mas tem que ser em exames ginecológicos”, pergunta ela.

Outra reclamação vem de Raphaela Pereira Alcalá, 21 anos, que também faz seus exames no Posto de Saúde do Selmi Dei, e acredita que esses critérios devem ser mudados, pois não se sente a vontade. Nesta segunda-feira (18) Raphaela passou por exames ginecológicos com a presença de quatro (estagiários e residentes), dentro do consultório.

Da UBS do Jardim Adalberto Roxo vem também Berenice Santos Almeida, de 42 anos, que já não se utiliza dos serviços públicos para esse fim. Segundo ela, mesmo um plano de saúde saindo caro, preferiu pagar para que possa fazer seus exames de maneira mais tranqüila e sem constrangimentos, mas ressalta que sua mãe que tem mais de 60 anos, já pediu para que os residentes não acompanhassem seus exames, mas foi informada que era necessário que eles permanecessem na sala. “Conheço muitas mulheres que deixaram de fazer os exames, exatamente por isso” – afirmou Berenice

Outra reclamante de 27 anos, que prefere não se identificar, mora no Jardim Maria Luíza e diz que sempre que pede para que residentes não participem de seus exames ginecológicos, os funcionários e médicos do posto, fazem “cara feia”. Mesmo sabendo que deve autorizar a presença deles, prefere não impedir, para evitar o mal estar.

Somente a denunciante de 27 anos, conhecia a existência da lei nº 8.106 que foi promulgada em dezembro de 2013, que restringe o acesso aos residentes, estagiários e estudantes no acompanhamento das consultas e exames ginecológicos sem a permissão da Mulher. De autoria da então vereadora Edna Martins, um projeto de Lei que ampliou a lei já promulgada, foi aprovada em agosto de 2014, visando assegurar à mulher o direito à privacidade.

Pela Lei, as pacientes ou responsáveis deverão ser previamente informados da presença dos estudantes nas unidades de saúde. Caberá à Secretaria Municipal de Saúde a implantação de Termo de Esclarecimento a todos os usuários do sistema de saúde do município das unidades utilizadas como campo de estágio e ensino. E no referido termo deverá constar, além das informações da presença de estudantes, esclarecimento garantindo a possibilidade de recusa da presença dos mesmos durante o procedimento médico e de enfermagem

Na época a lei que foi construída, com base em relatos que chegaram aos gabinetes das vereadoras Gabriela Palombo (PT) e Edna Martins, então do PV, hoje PSDB

CREMESP

Um parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), datado de 10 de abril de 2014, assinado pelos Conselheiros Antônio Pereira Filho e Dr. José Marques Filho, Membros da Câmara Técnica de Bioética ressaltando que “existe um primeiro equívoco, insanável, na lei quando em seu artigo 2º coloca no mesmo nível assistencial e legal os Residentes, Estudantes e Estagiários. (Art. 2º O pedido de autorização deverá ser solicitado no ato da marcação da consulta nas unidades de saúde do município).

Inicialmente, deve-se destacar que residente é médico, está regularmente inscrito no Conselho Regional de Medicina, e responde por seus atos do ponto de vista ético, cível e penal.

A mesma situação não se aplica aos estudantes. O termo estagiário pode ser aplicado tanto ao 5º e 6º anista de Medicina quanto ao médico já formado que está em aprendizado, porém não é residente. Nesta última situação, o estagiário também já é oficialmente médico e a lei colide novamente com a situação totalmente legal do médico em estágio.

A lei municipal ao exigir prévia autorização para consultas e procedimentos de rotina prejudica todo o ensino médico. Além disso, impede que se estabeleça a relação médico-paciente o que se faz na primeira consulta.

O mesmo pode ser dito e até com maior ênfase nas urgências e emergências.

Por fim, a proibição do Sr. Prefeito a estudantes ou estagiários não médicos também é inadequadamente, uma vez que existe legislação para o estagiário não médico e estudantes de Medicina que só devem atuar sob a supervisão de professor de Medicina ou preceptor de ensino que é quem responde, do ponto de vista ético, cível e penal pelos atos do estudante ou estagiário não médico, uma vez que sua presença é obrigatória.

A lei municipal é, portanto, confusa em sua redação e é eivada de equívocos, além de ferir legislação hierarquicamente superior.

O QUE DIZ A SAÚDE MUNICIPAL

A Secretaria de Saúde informa que posto de saúde em questão é uma unidade escola. A constituição federal determina que uma das atribuições do SUS é a formação de recursos humanos na área da saúde. Desse modo, todos os serviços de saúde do SUS podem ser campo de estágio para os profissionais da saúde. Os usuários do posto são orientados sobre o atendimento acompanhado pelos estagiários e podem optar pela presença ou não deles.      

A usuária que se sentiu prejudicada pode registrar a reclamação na Ouvidoria da Secretaria de Saúde através do 0800 7717 723. O caso será apurado e as providências necessárias serão tomadas.