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Sem o Décio, agora o que restam são duas cadeiras vazias no Salão Elite

Um mês depois da partida de João Mascia Filho, o Gim, em setembro de 2013, a Revista Comércio, Indústria e Agronegócio voltou ao Salão Elite, onde ele (Gim), Décio e Norberto haviam formado uma sociedade por 55 anos. Norberto e Décio continuaram, só que neste domingo (25) partiu Décio Vieira, plantando em nossas lembranças, uma intensa saudade. Agora, são duas as cadeiras vazias. Lá está Norberto, dando continuidade a um trabalho de quase seis décadas.

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Décio Vieira em primeiro plano; ao fundo, Gim. Os dois compraram de Antonio Nigro o Salão Elite

Em 2013, Gim, Décio e Norberto, comemoravam em agosto – 55 anos de parceria em uma das raras barbearias que restam na região. Nenhuma porém, é mais famosa do que essa que conseguiu sobreviver ao modismo, pela persistência dos três profissionais. O Salão Elite, mais conhecido como a Barbearia do Gim, sempre foi um reduto de competência profissional. Foi inaugurado em 1956 por João Mascia Filho, o Gim, e Décio Vieira. Quatro anos mais tarde passou a fazer parte da sociedade, Norberto Zanucci.

A parceria deu tão certo que trabalharam juntos até o dia 19 de setembro daquele ano, quando Gim morreu diante dos amigos, fazendo o que mais gostava – barba e cabelo, profissão que abraçou no começo dos anos 40. Restaram então os dois amigos que seguiram com o negócio em frente.

Quando completara 50 anos de sociedade com Décio e Norberto em agosto de 2008, Gim contou sua história: “Tenho 70 anos de profissão; comecei a trabalhar ainda garoto, com o meu irmão Afonso Mascia, que tinha um salão onde hoje é a Ca-Suco. Foi com ele que aprendi a profissão”, afirmou. O tempo foi passando e ele continuou trabalhando com o irmão. Quando se casou, em 1951, ainda continuava lá. “Meu mano teve um problema de doença e fechou o salão. Então fui para a barbearia do Hotel Municipal”, relembrou . Quando foi para o Municipal, conheceu Décio Vieira, que por 7 anos já estava trabalhando na barbearia do hotel.

Gim, Décio e Norberto, uma sociedade por mais de cinco décadas

Com o tempo, Gim e Décio passaram a ser os profissionais com maior número de clientes, o que chamou a atenção de Antônio Nigro que era proprietário de uma barbearia, exatamente onde hoje é o Salão Elite (Av. São Paulo, entre ruas 2 e 3). “Ele nos procurou porque queria vender o salão e pediu uma quantia que nós não tínhamos. Por fim, negociamos, demos uma parte em dinheiro e o resto, o salão foi se pagando”, contava Décio. Oficialmente, o Salão Elite foi inaugurado em 1960, porque Antônio Nigro ainda trabalhou quatro anos com Gim e Décio.

CADA UM COM SUA HISTÓRIA

Norberto Zanucci veio de Rincão e foi morar numa pensão. Ali conheceu o advogado Valentim Aparecido Cunha. “Tenho dois clientes que começaram a cortar o cabelo comigo logo que cheguei e continuam até hoje, são meus clientes por mais de 50 anos. Um é o Valentim, o outro é Morio Tanaka”, contou Norberto em 2013.

Apesar de cada um dos três ter seus clientes fixos, existe o freguês avulso. “É aquele que passa em frente o salão, entra e é atendido pelo primeiro que desocupar. E assim tocamos nosso negócio durante todos esses anos”, explicava Gim. Cada um era independente, ganhava seu dinheiro e no final do mês dividiam as despesas, inclusive o aluguel do prédio.

A clientela incluiu várias gerações de uma mesma família, naquele estilo de “passar de pai pra filho”, como os Barbieri, Haddad, Najm, Francisco Rossi, Joaquim Palomino, entre tantos outros. Gim dizia que tinham uma grande freguesia de pessoas idosas. “Abríamos às 7 horas da manhã e já estavam três ou quatro fregueses esperando para fazer a barba”.

Norberto e Décio trabalhando após o falecimento do amigo Gim

Vários prefeitos passaram pela barbearia: Rômulo Lupo, Benedito de Oliveira, José dos Santos, Pereira Lima, Clodoaldo Medina, Waldemar De Santi, Roberto Massafera. “Quase todos passaram por aqui”, comentava. Sem falar na lista de vereadores que é incontável, dizia Gim com muito orgulho da profissão que abraçou.

Antigamente, o salão abria também aos domingos. No primeiro mandato de Waldemar De Santi, entre uma barba e um corte de cabelo, Décio fez um pedido ao prefeito. “Preciso de um favor seu. Eu quero que você mude essa lei ou ponha na lei que o comércio tem que fechar no domingo. Ele me respondeu que não seria fácil, mas que tentaria. Isso porque as padarias queriam continuar abrindo pois também vendiam produtos de supermercado. O salão do Municipal também não queria fechar, uma vez que o Orlando (cabeleireiro que teve seu auge no próprio salão), queria continuar pois como alugava a cadeira, ganhava quando trabalhava”, dizia. Segundo Décio, naquela época existiam bons vereadores que trabalhavam e ajudaram no impasse e depois de muita luta, De Santi conseguiu.

Uma convivência de 55 anos não foi fácil, mas para Gim, Décio e Norberto, um dos segredos acabou sendo a independência que tinham, mesmo trabalhando juntos. A união e a amizade são muito boas e fora do trabalho, cada um leva sua vida. Não costumam se encontrar ou se visitarem, afinal ficavam juntos o dia inteiro, de segunda a sábado.

Ainda assim, bastava um feriado prolongado, para os três sentirem falta do salão, do trabalho, dos fregueses, enfim, da convivência diária que tiravam de letra há tanto tempo. A história dos três parceiros é um bom exemplo para as sociedades dos tempos modernos. A falta, falavam Décio e Norberto na época, agora é a cadeira vazia do parceiro que não dá para esquecer. Para Norberto, é triste agora sentir a falta dos dois.

Gim faleceu no dia 19 de setembro, aos 87 anos; sentiu-se mal durante o atendimento a um cliente. Faleceu ali mesmo no reduto que o recebeu por mais de 50 anos.

A PARTIDA DO DÉCIO

Décio Vieira viveu grande parte dos seus 84 anos para à família – esposa Marlene e as filhas Nazaré e Cristina. Ao longo do caminho vieram três netos e uma bisneta. Do seu currículo faz parte uma história de quase 8 anos trabalhando no Salão Municipal e de onde saiu em 1956 para comprar o Salão Elite de Antonio Nigro. Gim, que também trabalhava no Municipal foi com Décio e por quatro anos foram pagando Antonio Nigro que ao sair praticamente colocou Norberto em seu lugar em 1960.

Norberto e Décio trabalharam juntos por 59 anos. Sua morte no último final de semana foi muito triste para quem aprendeu a conviver com gente que viu Araraquara a se desenvolver, tendo uma barbearia como referência para a chegada das informações.