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500 milhas de Interlagos em 1974: “Era impossível crer que estávamos lá”

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Benê ducati do benê mark 3 250ccSaudosa Ducati Mark 3, 250cc, do Benê

Na verdade, se conseguisse andar bem na chance que me fosse dada nos treinos de apronte, tudo se tornaria mais fácil e o convencimento se daria naturalmente. Como todo menino abusado, confiava plenamente no meu “taco”. Minha “pseudo experiência” vinha do histórico como participante na 50cc de três provas da Copa Centauro, com uma Zundapp e da pilotagem do meu dia a dia da minha mais nova motocicleta, uma Ducati Mark 3, 250cc um cilindro.

A Ducati era um “canhão”. Com o escapamento dimensionado, popularmente conhecido como funil, sua aceleração só cruzava acima dos 4.000 RPM. Sua arrancada era brutal e os braços do piloto precisavam estar sempre firmes, usando muita força e talento para manter o guidão estável, de seu arisco e indomável motor. Dirigi-la era um prazer indescritível, emoção pura controlá-la com suas inúmeras nuances, chegava a 170 km/h de velocidade final.

Há um mito entre os pilotos que a Ducati é única e quem já a guiou, na acepção da palavra, nunca mais esquece. Seu motor, um puro sangue, que bate descompassado, extremamente agressivo e seu chassi super esporte, faz o piloto sentir magias ao pilotá-la. Tem um comportamento único, em alta velocidade, na entrada da curva, naturalmente tem um movimento de dança, ficando literalmente de lado, torcida, escorrega na pista, transmite a sensação de que com tanta potência, a roda traseira quer ultrapassar a dianteira. E essa era minha maior experiência e ao guiá-la, também, meu maior respeito perante a comunidade de pilotos locais. Por sorte e destino, o Moto Clube Araraquara, historicamente foi uma escola de pilotos “ducateiros”: Antonio Carlos Aguiar que corria por Araraquara, Eduardo Luzia, Victorinho Barbugli, Evaldo Salerno, Olimpyo Bernardes Ferreira Neto, Celso (Baiano Faito) Martinez e Dario Pires, sempre pilotaram com exímio talento, e com modéstia, eu fui incluso nesse seleto grupo.Nesta prova, o Moto Clube Araraquara participou com duas duplas: Eduardo Luzia e Neto, com uma Suzuki 380cc 2 cilindros e 2 tempos, e Edivilmo Queiroz com José da Penha Moreira, na Yamaha TD2B de fábrica. Dario Pires, Antonio Carlos Selvino e Pinho (José Manoel do Amaral Sampaio) faziam o estafe técnico da equipe Suzuki. Vanderlei Cavalari, Baiano Faito, Peixeiro (Luizinho Ventrilo) e eu da Yamaha. Dinho Dall’acqua, como sempre, na gerência da logística.

No sábado, logo pela manhã, os treinos começaram e tudo caminhava com normalidade, os ajustes de corrida iam sendo realizados por Edivilmo e Penha, até que a Yamaha quebrou. Quebraram os anéis, furou um pistão e o cilindro teve a sua “camisa” riscada. Para uma equipe normal a corrida estava terminada, para Araraquara, jamais. Edivilmo e Penha, de Chevette preto, tomaram o caminho de volta para Araraquara, somente com o motor e rumaram diretamente para a fábrica de pistões Rocatti, abusando da solidariedade de Joaquim Luis Caratti, que abriu a sua fábrica e cedeu gratuitamente as peças a serem repostas.

Penha era genial, tinha sempre uma solução, além de todo seu conhecimento em mecânica, era um torneiro mecânico mágico. Edivilmo também muito talentoso. Conhecia o sistema eletromecânico como poucos. Neste intervalo de tempo, Eduardo Luzia, Dario e Selvino, com mais posses, foram para um hotel. Neto, eu, Baiano, Pinho, Vanderlei, Peixeiro e Edson (Dinho) Dall’acqua ficamos no autódromo, onde dormimos. Havia no local um vestiário simples, com um chuveiro de água fria, bem modesto, onde ali em mínimas condições tomamos nosso banho, que independentemente de suas condições, para nós estava tudo ótimo. O dia se recolheu, os treinos terminaram, a noite ficou estrelada, os motores foram se calando e restaram apenas nós no autódromo.

Benê Edivilmo Moraes Yamaha e NetoEdivilmo Moraes, na Yamaha 31 e Neto

 A fome chegou e, como todos bons jovens, não tínhamos nada para comer, estávamos à deriva. Por sorte, Baiano e Pinho descobriram um carrinho de pipoca, ali deixado certamente para atender os boxes no dia seguinte, e com todo talento, o liberaram para funcionamento, não sobrando milho para nunca mais. Jantamos pipoca com os Refrigerantes Mimosa da família Ciomino, refeição inesquecível.

Fomos acordados às três horas da manhã do domingo com a chegada dos dois, o motor já estava “refeito”. Ato contínuo, com a ajuda de todos, foi instalado e funcionou ainda no crepúsculo da madrugada. Serviço feito e descanso merecido até o sol raiar.

Diante do ocorrido e com tanta determinação de Penha, meus planos de realizar uma corrida com a Yamaha TD2B, foi “justamente” adiado. Com muita determinação, Edivilmo, Penha, Luzia e Neto fizeram um corridaço de regularidade, chegando em posições superiores, muito além de suas possibilidades.

Benê Interlagos Yamaha TD2B e Diogo Faito. À esquerda o carrinho de pipoca e ao fundo o vestiárioInterlagos – Yamaha TD2B  e Diogo Faito. À esquerda, o carrinho de pipoca e ao fundo, o vestiário

 A prova foi vencida magistralmente por Johnny Ceccotto e Carlos Alberto Pavan (Jacaré), dois jovens e pilotos excepcionais, ficando o segundo lugar para os pilotos oficiais da Team Yamaha, Valter “Tucano” Barchi e Nivanor Bernardes, que substituía Denisio Casarini, naquele dia acidentado. Tempos depois, no velho barracão nº 959 da Rua Carvalho Filho, num daqueles dias de “Remember”, entre um copo e outro, onde saudade se confunde com sonhos não realizados, Baiano Faito e Pinho me confidenciaram, que foram para Interlagos neste dia, com os mesmos objetivos que eu também sonhara. Imaginavam que na primeira “sopa”, seriam eles os pilotos substitutos. Quando perguntei, qual seria o critério, se por ventura uma vaga sobrasse, foi uma gargalhada geral, e cada um de nós, até hoje se sente no direito de ser o escolhido.

O sonho é de cada um, e quem terá o direito e a coragem de renunciá-lo…….  com certeza ia ser uma briga interminável. Restou-me a experiência e a magia de ter andado anteriormente na Yamaha TD2B em outras duas oportunidades. Maravilhosa, 100 km/h em 4 segundos e 215 km/h de velocidade final. Velhos tempos, belos dias…