Desde a criação da Divisão de Perfil Psicológico da Agência Federal de Investigação (FBI), no final dos anos 70, crimes de maus-tratos contra animais passaram a ser analisados como indicadores de indivíduos violentos e potencialmente perigosos. Em janeiro de 2016, o FBI anunciou que casos de crueldade contra animais seriam investigados pela agência com o mesmo rigor de crimes contra seres humanos. A iniciativa, realizada em parceria com a Animal Welfare Institute, foi tomada após estudos concluírem que maus-tratos contra animais são fortes e intrínsecos indicadores de violência criminosa.
No Brasil, o caso mais famoso de assassinato em série de animais é o de Dalva Lina, presa em 2018 em SP pela morte de pelo menos cerca de 40 animais. Segundo testemunhas, o número é ainda muito maior. Recentemente, um novo caso está impressionando pelo nível de violência e número de vítimas. Em um assentamento localizado no bairro Grajaú, Zona Sul de SP, animais são encontrados mortos com sinais de tortura e crueldade há pelo menos 6 anos. Apenas nos últimos 3 meses mais de 70 cães e gatos foram assassinatos com extrema violência. A denúncia foi publicada pela ANDA com exclusividade e revelou que o responsável pelas mortes pode ser um serial killer.
Em 2012 a ANDA publicou uma série de reportagens chamada Matadores de Animais. Assinada pela jornalista Fátima ChuEcco, as matérias abordaram os casos dos psicopatas mais famosos do Brasil e no exterior que iniciaram seus crimes maltratando animais. Agora, tomando como ponto de partida o caso Grajaú e através de uma série de quatro matérias contendo depoimentos de especialistas de diversas áreas, a ANDA vai mostrar a mente de um serial killer de animais. O primeiro especialista ouvido é o psiquiatra forense, perito e consultor Dr. Guido Palomba.
Em uma entrevista à ANDA, o psiquiatra forense Dr. Guido Palomba explique que, “diante deste tipo de relato de maus-tratos, de perversidade com animais, se isso de fato for confirmado é algo, sem dúvida nenhuma, indicativo de um indivíduo altamente deformado do ponto de vista ético, moral, social e caracteriza que se chama psicopata e que eu gosto de chamar de condutopata. Por que condutopata? Porque a patologia está na conduta dele. Porque é a extrema sensibilidade sem nenhum tipo de ressonância afetiva com o semelhante. Mas o cachorro e o gato são nossos semelhantes? Sim, são, porque estão vivos. São animais que normalmente demonstram afeto. Normalmente não, sempre. E, se não bem tratados, eles também retribuem tratando seus tutores, seus convivas, muito bem. É realmente uma coisa preocupante”, avalia.
Dr. Guido diz ainda que a condutopatia possui ainda outras denominações que ajudam a entendê-la. “Tem outros sinônimos como, por exemplo, loucura moral e enfermidade do caráter. Os próprios nomes, por si só, já mostram quem são essas figuras, mas, as principais deformidades, são as deformidades do sentimento, porque são indivíduos que não possuem nenhum sentimento superior de piedade, de altruísmo ou compaixão. São pessoas com uma insensibilidade imensa e desejos deformados, como, por exemplo, maltratar animais para se divertir, matar para ver cair, entre outras coisas. São indivíduos que se comprazem em fazer o mal e uma outra característica bastante marcante dos condutopatas é ausência completa de remorso daquilo que eles fazem”, assevera.
Para uma psiquiatra, existe uma forte conexão entre a psicopatia e a crueldade contra animais. “Por que pessoas normais não maltratam animais? Por que elas reconhecem que os animais têm sentimentos, que os animais sofrem. Que os animais têm do mundo deles a sua sensibilidade, os seus gostos, as suas dores, os seus desejos. Então, você ignorar tudo isso é ser extremamente insensível. É uma pessoa sem valor ético ou moral, sem valor superior de altruísmo ou de nada. Ele está fazendo o mal e está insensível ao mal que está causando. É uma pessoa que tem uma deformidade de caráter e mostra isso, mas também é uma deformidade do querer, da vontade. Maltratar um animal? Por quê?”, reflete.
O especialista forense afirma ainda que geralmente seriais killers agem sozinhos, mas não exclui a participação de outros criminosos. “Normalmente essas deformidades estão em uma pessoa. Porém, nada impede de ter aquilo que se chama de folie à deux (“loucura a dois”, em francês). Nada impede que tenha alguém que esteja junto por contaminação, uma pessoa induzida. Claro que para você ser induzido a fazer algo dessa natureza tem que ter algumas características. Por exemplo, primeiro, ser uma pessoa no mínimo com uma fraqueza, com uma deformidade mental”, disse
E completa: “Não vai ser uma pessoa normal que vai ser sugestionada a maltratar animal. Então, essa pessoa, se existir, é um sugestionado. Agora, para ser sugestionado tem que ter não apenas uma fraqueza, como tem que ter um grau de subordinação com o indutor. É uma questão de indutor e induzido. O indutor é o verdadeiro condutopata e o induzido é alguma pessoa que o tem em um grau de superioridade. Normalmente entre um indutor e um induzido tem um grau qualquer de submissão, de adoração, de submissão, na verdade. Essa submissão pode ser de um ou de mais de um. Pode ser até duas ou três pessoas fazendo isso”, acredita.
Ele reforça ainda que alguém que maltrata animais, facilmente também fará vítimas humanas. “O insensível não é somente insensível aos animais, ele é insensível a tudo, insensível ao sofrimento do ser humano, obviamente. Não há insensibilidade só para isso ou para aquilo. A insensibilidade é uma deformidade do caráter”, enfatiza.
Dr. Guido Palomba reforça também que há diferença entre maldade e psicopatia. “Quando você pode explicar psicologicamente um fato, então você entra na patologia, por exemplo ‘eu estou sem dinheiro, eu mato uma pessoa para pegar a carteira dela’, ‘eu vou ser delatado, eu mato a pessoa para que ela não me acuse’. São atos moralmente e juridicamente condenáveis, mas são explicáveis. Agora, quando eu arranco o olho de um cachorro para vê-lo sofrer, é grave, isso não é explicável psicologicamente. Você não consegue explicar sem dar uma pitada de anormalidade”, explica.
Segundo o psiquiatra, compreender os atos de um condutopata de um ponto de vista moral e social podem não ser tão simples. “A psicopatia não é uma doença mental propriamente dita. O indivíduo que tem psicopatia fica na zona fronteiriça entre a normalidade e a loucura. É igual a aurora, não é noite e nem dia, é uma zona fronteiriça. É sempre biológico. Doenças mentais e condutopatia, a pessoa nasce e morre com ela, sempre. Pode ter fator social que esteja desencadeando, mas ele tem que ter uma potência. Por pior que façam para você, você não vai judiar de um animal se você for normal. Agora, se você tiver uma potência grande para fazer isso, de repente aquilo que estão te fazendo de mal te desencadeia um comportamento dessa natureza”, acredita.
E completa afirmando que investigações sobre seriais killers de animais precisam ser minuciosas e atentas. “Todos os detalhes são importantes. É como recolher peças de um quebra-cabeças e depois encaixar uma na outra para ver que imagem forma”, conclui.