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N.C. Som, uma lenda escrita por Ney Castelluci, seu fundador

A Banda N.C. Som criada por Ney Castellucci, o filho do “doutor Castellucci” no final dos anos 60 marcou época; era uma grande atração em bailes por todos os pontos do país. Após encerrar as atividades do grupo em Araraquara em 1972, Ney se transferiu para Sorocaba levando consigo o talento que o tornou um profissional respeitado.

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Ney ainda jovem frequentando o Clube Araraquarense e à direita com a esposa Elza em Sorocaba

Ney Ricardo Castellucci sepultado neste domingo (16/08/2020) em Araraquara, foi o criador do Musical N. C. Som, que existiu nos anos de 1969 a 1972. Ney, no início de sua carreira tocava piano nos saraus que o Clube Araraquarense realizava aos domingos, das 21 às 24h.  O grupo que tinha contrato efetivo com o clube era o Bonini e seu Conjunto, no qual o Juraci Brandão de Paula (Jura) tocava guitarra. Sobre o palco tinha permanentemente um piano e quando aparecia no sarau um pianista, ele era convidado a dar uma canja, como se dizia na época. Isso significava convite para tocar.

Ney, que era filho do Dr. Castellucci, médico muito conhecido na cidade, frequentava assiduamente o clube e assim, estava sempre dando canja, da mesma forma que outros músicos como o Francisco Cortese Filho (Kiko). Ney então foi aprimorando o estilo que gostava de tocar como bossa nova, jazz, além da grande habilidade para improvisar.

Ney, sempre sorridente ao lado dos amigos que começaram com ele no N.C. Som

Decidido a montar o seu próprio grupo, começou a tocar com o Francisco Carlos dos Santos (Chiquinho Batera – Bateria), Percival Borges Correa (Perci – Baixo) que anteriormente tocava com o grupo Os Intocáveis. Porém Perci em pouco tempo deixou o grupo e foi substituído pelo Roberto Mucio (Betão).

O cantor era o Carlinhos Vaqueiro, (ex-integrante dos Mug Boys) que após algum tempo foi substituído por Wilson José Orselli, que já havia passado por vários grupos e tinha um disco gravado com o grupo The Snakes. Também foi líder do grupo Os Profetas, onde o Pavan havia tocado.

A partir daí o conjunto foi se consolidando e agregando novos músicos como o guitarrista Getúlio de Freitas Iani, tio do Marcos Volpe, líder do Falso Brilhante. O Getúlio (ex-Intocáveis) permaneceu com o Ney por um longo tempo.

Mucio e Ney Castellucci cantando em uma das apresentações do grupo

O N.C. Som teve a primeira participação feminina da época em grupos musicais de Araraquara, que foi a cantora Marinez Escada, atualmente residindo em São Paulo. Esta formação permaneceu até que o Getúlio precisou deixar o conjunto. Em seu lugar entrou o cantor e guitarrista José Ronaldo Nakamoto (Nado) que tinha participado do grupo Os Atômicos e que atualmente integra o Sweet Music. Com a chegada do Nado e com as novas músicas incluídas no repertório agora sob a sua responsabilidade, o estilo do grupo foi mudando, o que levou o Ney a incluir instrumentos de sopro. Então convidou o Vilcides José Alves Pedro (trompete) e Carlos Alberto de Aguiar Martins (Carlão Pepeta – Sax Tenor) ambos experientes e integrantes dos Intocáveis. Ney ainda trouxe para o grupo outro músico, o Antônio Carlos Modé (Sax Tenor). Estava assim completado o Musical N. C. Som, agora com um som mais pesado e adequado para bailes.

Mucio conta que o conjunto teve alguns uniformes mas o que mais se destacou foi o terno branco que se realçava sob a luz negra. As “berinjelas”, como eram chamadas essas lâmpadas especiais, estavam sendo lançadas no mercado.

Assim, o grupo foi aprimorando seu repertório para bailes, incluindo músicas de sucesso da época como: Pais Tropical, Zazueira, Aquele Abraço, Aquarius, Venus, Traces, Stormy, Raindrops Keep Falling On My Head, Reflections Of My Life e outras bem diversificadas. Uma das preferidas do Ney era “Blues Walk” tema de jazz muito tocado em samba na época, pelos músicos amantes da bossa nova. Ney usava essa música para apresentar seus músicos nos bailes. O Mucio acredita que nem o Ney sabia o nome da música. Fui pesquisar e descobri através do amigo e músico araraquarense Benedito Souza Antônio (Bê), grande pistonista, idealizador e líder da famosa Banda Ópus em Piracicaba. Tocamos muitos anos juntos nos velhos tempos.

Em 1969 foi realizado um desfile de modas na cidade com a apresentação de Ivan Roberto Peroni e o acompanhamento de Ney Castellucci

A presença do Musical N. C. Som era constante em clubes como o 22 de Agosto (Avenida Portugal), Associação dos Alfaiates em São Carlos, Grêmio e Ginástico em Rio Claro, Frigorífico em Barretos e inúmeras cidades do interior do Estado de São Paulo e norte do Estado do Paraná.

Era comum o conjunto ser contratado para fazer bailes com grandes artistas. No Ginásio de Esportes de São Carlos o N.C. Som acompanhou o cantor Paulo Sergio que estava fazendo grande sucesso. No São Carlos Clube acompanhou a cantora Nalva Aguiar e em Tatuí o cantor Almir Rogério que também se destacava.

Beto Mucio e os demais entrevistados concordam que um baile inesquecível foi em Ribeirão Preto no Clube Regatas, com dois conjuntos de Araraquara: Musical N.C. Som e The Jungles. Era o Baile do Havaí, ao ar livre e com direito a todas aquelas frutas típicas de praxe.

Outro baile importante foi no Clube 27 de Outubro em nossa cidade, juntamente com o grupo Super Panorâmico de Ribeirão Preto, com a presença do excelente músico Alcebíades Spínola Filho (Bidinho) que se tornou conhecido internacionalmente.

Então chegou uma época de grande preferência do público por eventos com grupos musicais. O conjunto então tocava de quinta-feira a domingo, inclusive à tarde em um lugar e à noite em outro. Mucio fala que de quinta-feira se apresentavam no diretório dos alunos da Faculdade de Odontologia da UNESP e nos outros dias da semana até domingo, revezavam entre O Barril e O Porão, dois pontos de encontro da juventude e dos casais, bastante concorridos em nossa cidade. Já os sábados eram reservados para os bailes.

Cartaz anunciando o show do grupo

O grupo então passou por uma troca de baterista. O Chiquinho Batera deixou o Musical N.C. Som e foi para o The Jungles e o José Carlos Servino (Zé Sabaúna), deixou o The Jungles e foi para o Musical N.C. Som. Sem dúvida dois grandes bateristas.

Pouco depois o Ney trouxe para o grupo o formidável guitarrista Luiz Antônio Pavan que com sua grande capacidade harmônica e improvisação, contribuiu sobremaneira para o sucesso do grupo. E com essa formação o N.C. Som foi até ao seu final.

ENCONTRO INESQUECÍVEL

Conversando com o Mucio decidimos convidar os antigos integrantes do Musical N. C. Som para um encontro em sua casa; 19 de março, terça feira, 15h. Tínhamos a ideia de relembrarmos o passado do grupo. Passei na casa do Luizinho Pavan e na hora marcada chegamos ao destino.

Lá já estavam Zé Sabaúna, Nado e Vilcides. O Mucio nos recebeu como os demais amigos, de uma forma muito especial. Sabemos que ele é uma pessoa de uma finesse no trato com as pessoas. O Zé Sabaúna até acha que ele sempre foi um Anjo. Concordo. Mas acho que dessa vez ele, sua esposa Lurdinha e seus filhos Silvio Luís e Marco Antônio exageraram.

Caramba… E foi nesse clima de total descontração que rolou a nossa entrevista e a coleta de inúmeras passagens entre os seus componentes.

No final da tarde, após rodada de boa conversa que durou horas, os músicos do antigo N.C. Som resolveram se unir em músicas que serviram para matar a saudade. Lá estavam na casa de Mucio: Juraci, o anfitrião Mucio, Pavan, Nado, Sabaúna e Vilcides

Os amigos músicos presentes, o Zé Sabaúna, Pavan, Vilcides, Nado e o nosso anfitrião Betão Mucio, são unânimes em afirmar que aquela foi uma época maravilhosa, de grande aprendizado, de conquistas de muitos amigos e que deixou saudades. Todos residem em Araraquara.

CURIOSIDADES SOBRE O GRUPO

• Beto Mucio conta que certa vez foram tocar em Limeira na Festa da Lagosta. Era tanta lagosta que o Chicão, motorista do conjunto, resolveu trazer uma para assustar o seu pai. Duro foi aguentar o cheiro da lagosta durante a viagem toda.
• Sabaúna diz que num ensaio o Modé chegou todo contente e falou: “O Vilcidão… como é que está Vilcidão? O Vilcides que estava com bronca dele respondeu: “Como estou ou deixo de estar é problema meu. Vai pra p. q. p.” Foi só risadas.
• Sabaúna contou outra. Disse que foram tocar numa festa dos médicos no Clube 22 de Agosto, ainda na Avenida Portugal e o Pedro Rodrigues que era o empresário e muito brincalhão falou para o Carlão Pepeta: “Opa? Músico novo? Você eu não conhecia! Qual é a sua graça?” e o Carlão na maior inocência e talvez não entendendo bem a pergunta respondeu todo respeitoso e meio sem jeito: “A minha graça é rir.” E o Pedro Rodrigues respondeu na lata: “Então vai rir na p. q. p., seu moleque”. Novamente só risadas.
• Outra contada pelo Sabaúna. O conjunto regressando de um baile e ele e o Vilcides sentados juntos no último banco da perua Kombi. O Zé querendo dormir e o Vilcides falando: “Porque na minha arma calibre 38 eu uso balas de tal tipo. Na minha arma calibre 45 uso balas desse outro tipo. Na minha outra arma de cano longo uso… O Zé interrompeu e disse: “Em todas as minhas armas uso um só tipo de balas: balas toffee”. O Zé disse que aí é que não dormiu mesmo. Teve que aguentar as broncas do Vilcides até o final da viagem. O Vilcides confirmou a história.
• Esta quem contou foi o Pavan. Era um baile no Clube 22 de Agosto. Foram tocar a música El Presidente, sucesso da banda Herb Alpert’s Tijuana Brass. O clube cheio. O Pavan duvidando, desafiou o Vilcildes a tocar a música em pé sobre uma cadeira. O Vilcides não teve dúvidas. Subiu na cadeira e tocou. O público aplaudiu.Vilcides gostou.
• Essa é do Mucio. Foram tocar um baile na cidade de Itaberá, na divisa com o Estado do Paraná. Uma chuva tremenda. Terminou o asfalto e ainda tinha uns 40 km de puro barro e chuva que não acabava mais. Todo mundo chic com uniforme de tergal e o Nado com uma calça, também de tergal, azul piscina e um sapato preto novo muito bonito de verniz. Nisso a Kombi encalhou naquele barro e os músicos tiveram que descer para empurrar. O Nado andando todo delicado, pisando na ponta dos pés, escolhendo o barro que ia pisar na noite escura e embaixo de chuva, de repente caiu num buraco, afundou no barro até a altura do joelho e ficou atolado. Não saia mais. Os outros empurrando a Kombi e os pneus jogando barro em todos. Quando conseguiram chegar no clube já era 23h30, molhados e com barro até nos cabelos. Era um baile de formatura e já tinha outro conjunto tocando. É claro que não tocaram, não receberam e ainda correram o risco de apanhar. Só ouviam o público gritando “Lincha, lincha…”. Agora o Mucio conta e todos relembram e riem muito…

O FALECIMENTO DE NEY CASTELLUCCI

Ney Castellucci  quase no final dos anos 70 se mudou para Sorocaba após longo período de sucesso com sua banda por todo o país; para ele foi um tempo de glórias, continuando ainda por um bom tempo com sua carreira de músico naquela região.

Casado com Elza, também falecida, Ney viu a tristeza o acompanhar; na maior parte na solidão também viu seu talento indo embora, ficando entre os familiares e os amigos que o cercavam as lembranças dos anos dourados de Araraquara e também Sorocaba. Recentemente Ney foi trazido por seus familiares para Araraquara já profundamente adoentado. Internado em um dos hospitais da cidade chegou a receber alta médica, no entanto, voltou a ter problemas com a saúde e do hospital não saiu mais para rever os amigos de outrora.

Sepultado neste domingo (16/08/2020), o filho do “doutor Castellucci” um dos nomes mais importantes na história da medicina regional, deixa entre uma grande saudade. Nossos sentimentos aos seus familiares.

Por Juraci Brandão de Paula