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Eternamente, o Escurinho da Cantina do Nhô Bento, pai do Buíra

A emergente cidade dos anos 60 parecia mergulhada em querer descobrir as novidades. Tempos em que os gaúchos começavam a vir para montar churrascarias; as raras pizzarias habitavam o centro; bares e lanchonetes se diluíam envolvidas pela tradição brasileira e há quem apostava na tendência das cantinas. Foi o que fez o querido “Escurinho”.

1923
Benedito Brandão da Silva, o Escurinho; no início, trabalhando de garçom

E lá vamos nós, poucos dias antes daquele Natal de 1967, para a Cantina do Nhô Bento. O “Escurinho está na porta a nos esperar, guarda-chuva aberto aparando os pingos que caíam no começo da noite: “A festa tem hora pra começar, não tem hora pra acabar”, disse ele com imenso sorriso que se estendia de canto a canto da boca. Sorrir era seu jeito trigueiro (cor do trigo maduro; moreno, escuro), uma característica em sua vida toda.

Benedito Brandão da Silva, o seu nome, que ninguém o conhecia assim, mas chamá-lo de “Escurinho”, era imaginar um ser humano bondoso, camarada, animado ao ouvir no rádio as vozes de Antônio Carlos Araújo e Wilson Luiz, gritando sem parar, os gols da Ferroviária nas noites de quarta-feira, ecoando pela cantina.

Escurinho com a esposa Clotildes e o neto Ruhan, em 2014
com 9 anos

Nascido em Santa Adélia, Escurinho se mudou com os pais para Araraquara com apenas três anos, por volta de 1935. Sua vida hoje pode ser contada em detalhes pelo filho Marcos Brandão da Silva, ou melhor, o Buíra. “O apelido foi dado ao meu pai quando trabalhava no Hotel Português, próximo ao Terminal Rodoviário (Integração). Quando as pessoas iam perguntar por ele, o dono do hotel dizia: “procure por um escurinho no portão de trás”, e foi assim que meu pai ficou conhecido”, conta o filho, que atualmente tem um quiosque de lanches na Praça Santa Cruz.

Buíra e a mãe Clotildes,seguem as pegadas do saudoso Escurinho

Logo depois de trabalhar no hotel, Seo Freitas como era conhecido, ofereceu- lhe um emprego em seu bar, que ficava do outro lado da rua do hotel. No bar, permaneceu por dez anos, fazendo lanches, principalmente Bauru, e servindo café aos clientes.

Em uma oferta irrecusável, foi chamado para ser sócio de uma churrascaria na esquina da Avenida São Paulo com a Rua 1, a Nhô Bento. “Sem pensar duas vezes, ele aceitou a proposta e ficou por lá durante alguns anos”, lembra Buíra.

Em meados da década de 1970, Escurinho viu a queda dos clientes no restaurante em que servia seus lanches e bebidas. “Então, começou a ir até o Hotel Uirapuru para servir o café da manhã nos quartos. Ele era de confiança do proprietário, o falecido Vicente Michetti. Apenas meu pai tinha autorização para entrar nos quartos de pessoas famosas. Ele serviu o café da manhã da Gretchen, em seu auge, além do Rei Roberto Carlos, Sérgio Reis e outros”.

Não durou nem um ano e, em 1976, Escurinho terminou a sociedade no Nhô Bento e foi trabalhar na lanchonete do Uirapuru. Pouco tempo depois, Michetti surpreendeu o “faz-tudo” do local. “Ele disse ao meu pai: abra uma empresa em seu nome, porque agora a lanchonete é sua. Foi a partir daí que a nossa vida começou a mudar. Conseguimos melhorar nossa condição financeira por conta do Vicente. Tudo o que ele colocava a mão, virava ouro”, relata Buíra.

No local, a família atendia pessoas importantes que desciam até o térreo do hotel para desfrutar da lanchonete. Escurinho ficou à frente da lanchonete até 1989, quando se aposentou e dedicou essa fase da vida aos filhos e esposa. Segundo Buíra, “quando ele se aposentou, passou o negócio para outra pessoa e decidiu curtir mais a família. Na época, eu tinha o Frango’s Grill, na Alameda e também o carrinho de lanches em frente a Igreja Santa Cruz. Com isso, ele foi me ajudando um pouco, levando as coisas de casa para o carrinho”.

SUCESSO

Um sopro no seu último aniversário

A Rede Globo de Televisão, em 1992, aproveitou a oportunidade de Buíra e Escurinho e gravaram um programa para “Pequenas Empresas, Grandes Negócios”, explorando a iniciativa de pai e filho.

“A equipe foi conosco para comprar os produtos que usávamos na preparação dos lanches, entrevistou alguns clientes, ficaram o dia todo gravando para mostrar a maneira que fazíamos nossos lanches”, disse Buíra.

Quando abriu o Extra Hipermercados, suas vendas cresceram consideravelmente. “Nossa vida voltou a ser como era na época do Michetti. Compramos a casa onde vivemos, uma área de lazer, carro zero km. Agora vivemos uma vida agradável graças ao esforço do meu pai com a lanchonete e atualmente com o quiosque de lanches”.

Com a mãe Clotildes de Oliveira Brandão da Silva, Buíra, em seu quiosque, faz o que mais gosta: lanches e servir seus clientes. Tímida, dona Clotildes diz que vai até o quiosque para limpar o local, mas o filho a entrega. “Ela limpa também, mas gosta de fazer lanches e há pessoas que pedem os lanches dela, que faz com muito carinho”, diz Buíra. Ao lado, a mãe confirma. “Gosto de fazer o que faço”.

Benedito, ou melhor, Escurinho, morreu aos 74 anos, no dia 24 de junho de 2006, após sofrer um ano e meio com um câncer no intestino. Ao velho e bom Escurinho, fica a homenagem da RCIARARAQUARA.