A decretação da suspensão do direito de desenvolver atividades econômicas pelos Governos Estaduais e Municipais nos remete a novas reflexões sobre um tema muito precioso aos neoliberais, qual seja, a liberdade econômica.
A Constituição Federal de 1988 é clara ao assegurar que a República tem como fundamento o valor social da livre iniciativa (art. 1º), que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, inc. XIII), a inviolabilidade ao exercício de profissão essencial (art. 133) e que a ordem econômica é fundada na livre iniciativa (art. 170).
Este ideal de liberdade econômica, como valor inalienável, constitui obstáculo ao Estado perante o particular, limitando eventual e injusta intervenção ao livre exercício de profissão, bem como de desenvolvimento e exploração do mercado. Milton Friedman já apontava que “a liberdade econômica é parte da liberdade entendida em sentido mais amplo e, portanto, um fim em si própria.”
A defesa da liberdade econômica importa na defesa da estabilidade da sociedade. Ao se promover a defesa da liberdade, protege o consumidor contra abusos de poder econômico, tutela pequenos produtores da imposição de um grande e único comprador (monopsônio) e daí por diante, ou seja, salvaguarda todos os segmentos da sociedade, inclusive contra o excesso de regulação e insulamento burocrático.
E mais, é função do Estado proteger a liberdade do mais vulnerável, seja ele fornecedor ou consumidor, empresário ou empregado, assalariado ou autônomo, nacional ou estrangeiro, não importa quem seja.
Não há dúvida de que qualquer evento extraordinário, assim como uma pandemia, tal como a Covid 19, determina uma atuação de todos, especialmente a adoção de medidas que visem a proteção da vida e bem-estar (saúde) de todos, diminuindo o quanto possível, o número de enfermos e mortos, entretanto, não se mostra razoável, tampouco aceitável do ponto de vista humanitário, retirar de determinado segmento da sociedade qualquer possibilidade de auferir renda.
A adoção de suspensão das atividades comerciais sem possibilitar, aos prejudicados e mais vulneráveis, uma alternativa de auferir renda é desumana, já que impõe um flagelo diário de miserabilidade e cerceamento do direito de trabalhar. Não me parece sequer aceitável a argumentação de que estas pessoas desafortunadas precisam ouvir a voz “razão”, devendo permanecer reclusas aos seus lares, quando, a esta mesma “razão” parece ser surda ao brado de fome.
Não se pode relegar para o futuro a tutela do emprego. Deve ser concomitante ao combate contra a doença, isto porquanto, altamente questionável a justificativa de que a única forma para salvar vidas seja com o isolamento social, pois, no futuro, várias vidas serão ceifadas pela miséria.
A disseminação da pobreza é manifesta, nefasta e duradoura. A quebra da economia importa no fechamento da micro e pequena empresa, demissões em massa, falência da arrecadação e, consequentemente, interrupção dos serviços públicos.
Sem a arrecadação oriunda da produção de bens e serviços não existe fato econômico a ensejar o recolhimento de tributos, levando a míngua os cofres públicos, que não terá recursos financeiros para pagar os salários dos funcionários públicos, manutenção da infraestrutura e serviços públicos etc.
No setor privado, já são nítidos e indesejáveis os reflexos negativos, empresas fechando, ausência de ofertas de trabalho, aumento da mão-de-obra ociosa, piora na qualidade das relações empregatícias, enfim, a lista é longa e preocupante.
O aumento de desemprego, invariavelmente, enseja a adoção de medidas tendentes a impulsionar o setor produtivo e comércio, e ainda que seja mais fácil e nobre defender que o empresariado tem o dever de ajudar na retomada do crescimento, na prática, o investimento mais atrativo e seguro será escolhido, daí que, não se espantem, se a palavra de ordem vindoura for a de nova reforma trabalhista.
A suspensão das atividades econômicas, nos moldes perpetrados pelos Governadores e Prefeitos se apresenta catastrófica do ponto de vista econômico-humanitário, já que deixou ao Deus dará pessoas em estado de vulnerabilidade sem a possibilidade de auferir renda e sem reservas de recurso para sustento próprio e da família, desencadeou processos de demissões, expôs em grave risco as contas públicas e, ainda, culminará na modificações das relações de emprego, especialmente em razão da grande oferta de mão-de-obra e escassez de novos postos de trabalho.
*Ubiratan Reis é advogado tributarista/econômico e escreve para a Revista Comércio, Indústria e Agronegócio (ubreis@gmail.com)
**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do RCIARARAQUARA.COM.BR