Home Motociclismo Naqueles Tempos

Nécosonéco vai fazer falta?

Conto aqui nossa participação na segunda prova da Taça Centauro de 1974, alusiva aos festejos do aniversário da cidade de São Paulo. Experiência única, a convivência com dois pilotos que corriam o Campeonato Mundial, com os melhores pilotos do Brasil e ainda a sensação indescritível de um perigo que não estava no nosso controle (Benê)

323
Benê, Nenê, Salerno, Diogo Faito e NécoSonéco

NécoSonéco vai fazer falta você me levar, vai? NécoSonéco era uma gíria que um frequentador da oficina usava todas as vezes que lhe era negado algo que pedia sem oferecer nenhuma contrapartida e dessa maneira, de modo carente e dengoso, ele se manifestava. Bastava você falar “não” para ele e lá vinha o NécoSonéco vai fazer falta?

Certa oportunidade, às vésperas de uma corrida em Interlagos/SP, este colega queria de toda maneira nos acompanhar. “Penha (José da Penha Moreira) deixa eu ir?”, “Não, não, infelizmente não vai ser possível. Entenda, nós temos que conciliar as coisas. Primeiro as prioridades são os pilotos, depois os que podem ajudar a equipe na hora da corrida e por fim aqueles que não se enquadram em nada disso, mas podem ajudar com as despesas da viagem e pela situação que se apresenta esse não é seu caso. Os pilotos são imprescindíveis, os que podem ajudar nem se fala, pois além da ajuda do rateio em todo o custo do final de semana em São Paulo, ajudam também nas estratégias, no perfeito funcionamento dos boxes e ainda em caso de alguma desistência acidental, serem os primeiros pilotos reservas para correr no lugar dos inscritos. Hoje, esta semana, não poderemos de forma alguma abrir mão de levar um Zé Faito, um Theodoro Jacob ou um Dinho DallAcqua, pois se for preciso você sabe, todo mundo sabe, eles vão para a corrida e ainda em boas condições de fazer uma ótima participação, portanto…”

Alfa Romeo/JK

A questão que mais pegava no caso, era a falta da grana que ele não tinha para pelo menos ajudar nas despesas de gasolina da viagem, isto porque, em especial nas outras situações, por falta de conhecimento de mecânica e pilotagem, ele não se enquadrava de jeito nenhum. E assim foi a semana toda, NécoSonéco pra cá, NécoSonéco pra lá e nada de José da Penha ceder.

NécoSonéco, que tinha uma Zundapp 100cc de cor azul de quatro marchas, cresceu nas imediações do Mercado Municipal, da Estação Rodoviária e da Estação do Trem, entre os trechos que circundavam a Avenida Brasil, com início na Relojoaria e Fornitura Ianelli, na Rua Antonio Prado onde se localizavam o Bar do Manoel de Freitas, os Hotéis União e São Luiz, estabelecimentos que serviam os viajantes que em nossa cidade pernoitavam e nas Avenidas Portugal e Duque de Caxias, onde até hoje fica o Mercado Municipal, reduto de toda sorte de ambulantes que praticavam a venda dos mais inusitados produtos e oportunidades. Uns vendiam óleo de peixe elétrico, outros pomada de óleo de tubarão e ainda aqueles que praticavam os mais diversos jogos de pequenas contravenções, inclusive o inocente joguinho do dedal, que ficou a especialidade do nosso protagonista.

Na madrugada de sábado para domingo prontos para a partida com o carro JK Alfa Romeu, da cor verde, 5 marchas e câmbio na mão, Penha, Salerno, Dinho DallAcqua, Baiano Faito e eu nos aconchegamos. Do lado de fora, com aquela cara de menino pidão lá estava o colega. “Deixa eu ir?”, no que Penha retrucou, “você tem grana?”. “Não, não tenho, mas arrumo.”Um olha pro lado, outro para outro lado e em coro gritamos: Penha deixa ele ir……..“Vai, vai, vai, monta ai” e assim fomos. Chegando perto da cidade de Limeira, a estrada em estado precário, quando de repente o pneu furou e para o conserto imediatamente adentramos no primeiro posto de gasolina a procura de uma borracharia.

Penha com sua
motocicleta Mondial

NécoSonéco se antecipou: “- Deixa que eu pago”. Dinho DallAcqua perspicaz como sempre, de imediato se manifestou: “- Isso não vai prestar”. Imaginem a cena: – Duas horas da manhã de noite fria, o Alfa Romeu lentamente estacionando naquele local imundo, escuro e de dentro daquele pequeno espaço, uma mistura de pobre oficina com um pouco de borracharia e ainda um modesto lar, quando da escuridão emerge uma figura alta, forte, morena, barbuda, com o rosto de traços de quem havia bebido ao adormecer, e com a pele ainda manchada de graxa e óleo, aquela voz rouca e seu olhar cansado de quem não havia completado seu merecido descanso.

Trabalho iniciado, enquanto o conserto se realizava, NécoSonéco com habilidade abriu sua trouxa e com destreza foi brincando com o seus dedais, chamando a atenção daquela pobre alma.

Pneu consertado, a oferenda esperançosa para o borracheiro de ganhar um dinheiro fácil, apostando o valor de seus préstimos com a possibilidade de permuta, auferindo em caso de vitória um ganho de dinheiro dobrado do que valia seus serviços e o pronto aceitamento do desafio…

Jogo de dedal pra cá, jogo de dedal pra lá e o desfecho da derrota eminente contra um astuto jogador. Minutos depois, a madrugada foi ganhando o amanhecer, o carro já ligado, as despedidas, o desejo de boa sorte recíproca e um silêncio profundo do perdedor desencantado…

NécoSonéco vai fazer falta seu borracheiro… Velhos Tempos Belos Dias…

**Texto original de Benedito Salvador Carlos (Benê), em crônica especial para o RCIA sobre os bons tempos do motocilismo.