Home Motociclismo Naqueles Tempos

Araraquara nas 500 milhas de Interlagos: na vida do jovem, uma eternidade

Tudo muda, tudo se transforma; tudo começa a se realizar rapidamente. De maio de 1972 quando através de Paulo Pecin cheguei a Interlagos, para maio de 1973, meu mundo já era outro.

1353
Pinho (José Manoel do Amaral Sampaio), Zezzo Ponticelli e Celso (Baiano Faito) Martinez na Yamaha TR3

*Benedito Salvador Carlos (Benê)

De motociclista principiante no guidão da italiana Ital Jet 1964, para uma Zundapp alemã, nova, cilindro e cabeçote de alumínio, 5 marchas, foi um segundo. Com ela, mais veloz, com aerodinâmica moderna, mudei de patamar. Minhas companhias já ficaram outras e assim fui aproximando cada vez mais do Moto Clube Araraquara e seu estafe. Fim de semana direto para a Fonte Luminosa e a convivência com Baiano, Diogo e Zé, da família Faito, Evaldo Salerno, Penha, Adolpho Tedeschi, Neto, Manolo, Adolpho Segnini, Dario Pires, Pinho, Zé Antonio Pecin, Jair Galeane, Roldão Junior, Negão, Silvinho Nigro e Antonio Carlos Selvino, foram me dando experiência e cada vez mais a busca de limites da velocidade a serem ultrapassados.

Essa convivência me proporcionou chegar para a corrida de 1973, já diferente. Em seu carro, um JK verde que chamávamos de Alfa Romeo, Penha levou, no banco da frente, Salerno e Dinho Dall’Acqua. No banco traseiro fomos eu, Pinho e Baiano Faito. Os três da frente, experimentadíssimos, Penha e Salerno pilotos consagrados, Dinho DallAcqua na chefia da logística, já se tornara fiel escudeiro.

Equipe de Araraquara: Penha, Rogério, Edivilmo, Benê, Salerno e Pinho

No banco de trás, Baiano mesclava lapsos de grande piloto e preparador, eu e Pinho em busca das descobertas de nossos sonhos. Para pilotar a Yamaha TD 2B 250cc, de fábrica, Salerno e Edivilmo, então radicado em Capivari. Nossa missão era de compor a equipe técnica. Para mim, Baiano Faito e Pinho, isso só, era impossível.

 Estar ali nos boxes e ficar perto de tudo que mais ambicionávamos era o máximo. Aquele ambiente, o cheiro místico da gasolina azul com o óleo Valvoline Racing, aquele impagável run run runnn  run ruuuuuuuuunn… run run….

A VIAGEM

Chegamos em São Paulo na sexta feira à noite, a corrida foi no domingo e o sábado, por mais incrível que pareça, foi o dia mais festejado, foi o dia mais especial, foi uma verdadeira festa.

Circulávamos por todos os boxes, observando, admirando e ficando encantados. Tudo ali era mágico. Imagine Adu e Tognochi discutindo sobre como acertar a sua motocicleta ou o melhor, andando ali do nosso lado juntamente com Walter Barchi, Denísio Casarini, Zezzo Ponticelli e Paulé Salvalágio.

Ali também naquele momento, no ostracismo, nascia outra lenda do motociclismo nacional: o genial Carlos Alberto Pavan, consagrado posteriormente como “Jacaré”, piloto humilde, exacerbado e amigo de Araraquara.

Evaldo Salerno brilhante na reta oposta, antecedendo a tomada da Curva do Sol

Nem em sonho pensaria na possibilidade de estar ao lado de Ceccotto, explicando para Dom Hipólito, o poderoso chefe da equipe venezuelana, o melhor traçado para se pilotar em Interlagos. Suas mãos, uma sobre a outra, levemente distantes, movimentos contorcidos, mostrando o comportamento da Yamaha número 1 nas saídas de curva, a sua observação do desgaste dos pneus que ele carinhosamente acariciava, gesto que eu tietando, na sua companhia, repeti agachado no lado oposto da motocicleta.

A EXPECTATIVA

Neste fim de semana, três pilotos em especial chamavam minha atenção: Adu Celso, que poucos dias antes sagrou-se vencedor do Grand Prix da Espanha, tornando-se o primeiro piloto brasileiro a vencer uma prova, numa categoria Especial do Campeonato Mundial, deixando pra trás nada mais nada menos que Billie Nelson e Patrick Pons, ambos oficiais Yamaha. Johnny Ceccotto, que mesmo muito jovem já dava prenúncio da lenda que mais tarde se tornaria e Evaldo Salerno, o melhor piloto de Araraquara e um dos melhores do país na categoria 50cc. Salerno, parceiro nesta prova de Edivilmo Queiroz, tinha uma “tocada” extremamente técnica, estilosa, trazia a motocicleta na mão, fundida no seu próprio corpo, muito bonito de se contemplar. Se eu e Pinho modestamente nos inspirávamos em Ceccotto, Nezinho como chamamos até hoje, tinha o estilo limpo de Giácomo Agostini, igualmente imitado por Baiano Faito.

No domingo, dada a largada estilo Le Mans, uma corrida inesquecível. Walter Barchi (Tucano) e Adu largaram muito bem e alternaram a liderança em bonito duelo. Tucano, o melhor piloto que atuava no Brasil, mostrava para Adu que tinha muito talento e que venderia caro a liderança.

Ceccotto (1) e Adu (4) em duelo sensacional nas curvas de Interlagos

Ceccotto não conseguiu largar bem, sua moto não pegou na largada, deixando sua corrida na parceria de Ferruccio Della Fusine, totalmente prejudicada. Tentando descontar a diferença para os líderes Adu e Tucano, Johnny acelerava tão forte que acabou caindo na entrada da ferradura, levantando-se rapidamente e indo direto para o posto médico, enquanto os seus mecânicos consertavam o equipamento, que lhe rendeu um atraso de oito voltas completas.

Se para ele foi difícil, pura sorte para nós amantes de uma boa corrida. Daquele instante até o finzinho da prova (100 voltas no traçado antigo, 8 km) descontou quatro voltas até encontrar Adu. Travaram ali um dos mais belos espetáculos que Interlagos já assistiu. O autódromo inteiro ficou de pé, Adu não permitia Ceccotto tirar mais uma volta de atraso, Ceccoto por sua vez, obstinado não aliviou seu acelerador, até ultrapassar. Roda com roda, carenagens grudadas como irmãs siamesas, o locutor da prova ensandecido e para nós uma aula do impossível.

A prova foi vencida então por Adu e Paolo Tognochi, seguidos pela dupla venezuelana Pedro Betancourt e Domingos Cortez. Ceccotto e Ferrucio, vencendo as adversidades, chegaram brilhantemente em terceiro. Salerno e Edivilmo em décimo segundo, na classificação geral, realizando ambos, um corridaço.

**Texto original de Benedito Salvador Carlos (Benê), em artigo da RCIA