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Nos tempos da repressão, Job Rosim foi para os artistas o “senhor dos músicos”

Uma semana após o seu falecimento a figura de Job Rosim segue sendo lembrada pelo poder que exercia em uma época em que, a Ordem dos Músicos do Brasil tinha como meta principal a defesa dos direitos do artista. Seu filho Djalma, hoje lembra com saudade da missão do pai como delegado da Ordem, numa época de repressão.

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Job com suas boas recordações

Neste domingo (03), às 19h, quando na Paróquia de São José, em um dos bairros mais tradicionais da cidade, for iniciada a tradicional missa em louvor ao santo padroeiro da cidade, algumas lembranças deverão ser pontuadas por aqueles que admiraram em vida a passagem de um homem que soube construir com dignidade e respeito uma existência voltada permanentemente ao Criador.

É assim  que, Djalma José Rosim, hoje aos 59 anos, filho de Job Irineu Rosim, o músico falecido nesta semana em Araraquara, lembra do pai – amado e respeitado, envolvido nos meios artísticos, por conta da prestação de serviços na Ordem dos Músicos do Brasil. “Meu pai a partir dos anos 60 exercia uma função importante na região; era o delegado da Ordem que tinha por objetivo cuidar e preservar os direitos dos compositores e cantores da música popular brasileira.

O seu desejo em cuidar plantas em sua casa

De fato, a Ordem dos Músicos do Brasil é uma autarquia federal brasileira, dotada de personalidade jurídica de direito público, criada pela Lei 3.857 de 22 de dezembro de 1960, com o intuito de preservar, fiscalizar e regulamentar a profissão de músico no Brasil. Também era uma época do regime ditatorial em que despontavam Chico, Vandré, Vinicius, Raul Seixas e tantos outros que Araraquara viu nascer em suas poucas casas de espetáculos a partir dos anos 60. E Job estava lá.

Com poder de não permitir a realização de um um baile, sarau, brincadeira dançante que era muito comum na época e até mesmo show, desde que houvesse a cobrança de ingresso, Job criou fama e conquistou o respeito dos artistas. Afinal, era dele a função de conceder o alvará, mediante o pagamento de  uma taxa no Banco do Brasil e da qual a Ordem remunerava os músicos.

Pronto para correr os clubes em mais uma noite de trabalho

“A função de delegado da Ordem dos Músicos do Brasil não permitia um grande salário, mas o que o meu pai recebeu por mais de 30 anos prestados foi o suficiente para que tivéssemos uma vida prazerosa, de boa educação e formação respeitosa de acordo com os padrões da época”, comenta Djalma, atualmente residindo em Minas.

Do pai ele guarda alguns pertences de valor estritamente pessoal, fotografias que Job acumulou no tempo, diplomas e certificados que reconhecem seu valor como figura representativa da categoria e, principalmente o carinho de quem o conheceu e soube dar valor a função que exercia.

Era comum se ouvir na portaria de um clube ou em qualquer evento artístico  o grito – “O seo Job chegou”. Aquele era o momento de apresentar o alvará autorizando o show ou o baile, afinal era a Ordem dos Músicos do Brasil, criada pela Lei nº 3.857/60, que tinha a atribuição de fiscalizar o exercício da profissão de músico. Na verdade, o músico tinha que ser associado da Ordem para “ter direito a essa proteção e fiscalização”.

Como músico na formação da Banda Phórmula 9 em novembro de 1975 no Melusa Clube, último à direita

Hoje contudo, a inscrição na OMB deve ser exigida somente dos músicos diplomados com curso superior e que exerçam atividade em razão dessa qualificação, bem como dos que exerçam função de magistério, sejam regentes de orquestras ou delas participem como integrantes.

O filho Djalma e o neto Paulo Eduardo (31 anos), além da ex-nora Eliana, entendem a importância do pai, avô e sogro, em um contexto que deu à família – Job era viúvo de Apparecida do Carmo Ferreira Rosim, casados por 47 anos – o carinho e o reconhecimento dos que com ele conviveram na vida de uma cidade.

A REPRESSÃO

Job, ao defender os músicos sabia dos riscos que corria, afinal a repressão do regime militar, após o AI-5, que recaiu sobre tropicalistas e emepebistas, apesar de todos os traumas que causou no cenário musical brasileiro, acabou criando uma espécie de “frente ampla” musical, parte do complexo e contraditório clima de resistência cultural à ditadura.

Job trabalhando em defesa dos artistas nos tempos da repressão

Caroline do Nascimento Avelino, em um dos seus trabalhos pela Universidade Federal do Acre, conta que – os embates estéticos e ideológicos de 1968 apontavam para uma cisão definitiva da música popular moderna no Brasil, entre as correntes nacionalistas e contra culturais, que agora pareciam distantes. O exílio de Gil e Caetano, assim como os de Geraldo Vandré e Chico Buarque (neste caso, “voluntário”), lembrava que havia um inimigo em comum: a censura e a repressão impostas pelo regime. O alvo tanto podia ser as letras políticas e socialmente engajadas de Chico e Vandré quanto às atitudes iconoclastas e a crítica comportamental de Caetano e Gil. Guerrilha e maconha, comunismo e androginia, Revolução Cubana e Paris 68 ocupavam o mesmo lugar no imaginário confuso do conservadorismo de direita, que se contrapunha ao setor mais valorizado e respeitado da música brasileira.

Esse período foi marcado por uma grande produção cultural e para tentar enganar a censura, os artistas desenvolveram diversas táticas. Era comum artistas que já eram conhecidos utilizarem pseudônimos para fazer com que suas letras passassem pelo crivo da censura, ou então se utilizavam de metáforas e ironias nas suas letras para criticar o regime e em alguns casos, as figuras de linguagem utilizadas nas letras faziam com que as críticas passassem despercebidas.

É bastante evidente a importância que as músicas de protesto tiveram nesse período, elas representavam toda a indignação e o descontentamento que o povo sentia. E Job, partiu, levando consigo o que sabia sobre esse período ditatorial. Sobre isso, pouco ele nos contou no começo dos anos 80, em uma roda de amigos.