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Boric – O Chile aposta num novo líder (*)

Por Domingos Carnesecca Neto

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Chile e Brasil (5)

Para povoar a Patagônia chilena os governantes em meados do século XIX e início do século XX atraíram famílias de imigrantes da Europa.

Formou-se assim uma colônia croata, origem da família Boric (pronuncia-se Borichi), na região de Magallanes e especificadamente em Punta Arenas. Hoje estima-se que em 380 mil e 500 mil descendentes croatas moram no Chile, um país com 17 milhões de habitantes.

No Brasil, especialmente em São Paulo e em menor número no Rio de Janeiro, vivem 50 mil descendentes de croatas, que para cá vieram ao longo do século XX em sua maior parte após a segunda guerra mundial.

Gabriel Boric Font, nasceu e cresceu em Punta Arenas, cidade no extremo sul do Chile. Após terminar seus estudos secundários mudou-se para Santiago para estudar Direito na Universidade do Chile.

Junto aos seus colegas de universidade passou a participar do Movimento Estudantil, destacando-se a aglutinando em torno de si um grupo de companheiros.  Em 2011, Gabriel Boric era o Presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile e, junto com Giorgio Jackson e Camila Vallejo, liderou os protestos estudantis daquele ano. Os três foram eleitos deputados em 2014, e reeleitos em 2018, selando uma amizade e uma cumplicidade política até hoje inquebrantável.

No “estallido”, a grande revolta popular em 2019, iniciada tal qual as manifestações que ocorreram no Brasil em 2013 pelo aumento dos preços dos transportes coletivos, Gabriel Boric assumiu um papel protagonista e ao mesmo tempo moderador das discussões e conflitos. Como membro da Comissão de Constituição da Câmara dos Deputados assinou o acordo “Por la Paz Social y la Nueva Constitución”.

Sem ele, e o papel negociador que desempenhou o final dos conflitos seria sangrento, com mortes de parte à parte.

Como resultado das tratativas dos manifestantes com o governo de Sebastián Pinera foi convocada uma constituinte, a “Convención Constitucional”, que está elaborando a nova Constituição do Chile. Ressalte-se que a atual Constituição foi elaborada na ditadura do general Augusto Pinochet, sabidamente um inimigo da democracia, dos direitos e das liberdades.

Dada as peculiaridades do processo político chileno, escreveremos um próximo artigo sobre a Constituinte.

Vieram também as eleições legislativas regulares e as eleições presidenciais. Diversos partidos disputaram estas eleições, de certa maneira reproduzindo um quadro partidário que vem desde o fim da ditadura militar chilena.

O bloco político de centro direita, o de Pinera, apoiou o candidato Sebastian Sichel, independente. A coligação “Concertacción”, de centro esquerda, lançou Yasna Provoste No entanto, o clima politico de repúdio à política tradicional, presente em todo o mundo, levou ao 2º turno da disputa, o candidato da extrema direita José Antonio Kast (com 28% dos votos), e o candidato da esquerda alternativa Gabriel Boric (com 25,5%).

Kast, fã declarado do americano Donald Trump e do brasileiro Jair Bolsonaro,  era o candidato que não queria negociações e acordos políticos mas o confronto,  e Boric, apesar da oposição de setores da extrema esquerda que viam nas lutas do “estallido” um enorme potencial revolucionário para mudar a sociedade chilena, conseguiu aglutinar as forças políticas que se uniram em oposição ao extremismo de direita.

No Chile, onde o voto não é obrigatório e permitido apenas aos maiores de 18 anos, Gabriel Boric, uma jovem liderança, com 36 anos de idade, venceu as eleições presidenciais com aproximadamente 4.500.000 votos (55%) com um discurso de união do povo e reconstrução do Chile.

No Congresso eleito, composto de 155 Deputados, dos quais apenas 65 deles dos partidos e coligações que o apoiaram, e 50 Senadores, sendo 19 deles de sua coligação, Gabriel Boric terá que mostrar suas habilidades de negociador e superar a pulverização política que soma 16 partidos com representação parlamentar.

Numa primeira vitória, no dia de sua posse, elegeu o Presidente da Câmara dos Deputados Raul Soto (Partido Popular Democrático) e o Presidente do Senado Alvaro Elizalde (PS Chileno).

No entanto, o equilíbrio de poder segue bem frágil. Gabriel Boric tem o apoio de uma bancada composta por  políticos da coligação “Apruebo Dignidad” (formada pelo partido “Convergência Social” do próprio Boric, pelo partido “Revolução Democrática” e pelo “PC Chileno”), da coligação “Concertacción” (formada pelos partidos “Democracia Cristã”, “PS Chileno”, “Partido Radical” e “Partido Popular Democrático”),  além dos “Humanistas”,  “Ecologistas”, e alguns independentes.

Boric montou um governo com vinte e quatro ministérios, sendo catorze mulheres e dez homens, com uma idade média de 49 anos, que irão administrar o Chile pelos próximos quatro anos.

As principais bandeiras eleitorais de Gabriel Boric foram a “criação de um sistema de aposentadorias administrado por um órgão público e autônomo”, “a criação de um sistema universal de saúde” e um “salário mínimo de CLP $ 500.000”, equivalente a R$ 3.125,00.

Enfrentando as feridas ainda abertas dos tempos da ditadura militar de Pinochet, as diversas demandas que se avolumaram desde 2011, as reivindicações do “estallido” de 2019, a crise na fronteira norte do Chile com a imigração descontrolada, os conflitos com os índios mapuches que buscam sua independência na Araucania (região no centro-sul do Chile), a inflação galopante, e a herança neo-liberal que destruiu o Estado chileno e privatizou todos os setores da economia. Soma-se à isto, o grande número de partidos políticos, e veremos que Gabriel Boric terá muitos e enormes desafios pela frente. Hoje conta com grande esperança e expectativa por parte do povo chileno. Sorte para ele!

(*) Domingos Carnesecca Neto, Bacharel em Economia/UNESP, Licenciado em História/UNINOVE.

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do RCIARARAQUARA.COM.BR