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Heróis

Por Luís Carlos Bedran

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Não sei se já contei para vocês sobre o serviço militar que deveria ter feito, mas que não o fiz, não por nada, mas é que quando tive de me apresentar no Tiro de Guerra, já havia ingressado num curso superior. Por isso é que fui dispensado. Pela lei. Tão simples, não?

Nem tanto, porque tive de enfrentar o enérgico capitão, que teria sido combatente na FEB, pois queria, de todo jeito, que eu cumprisse minha obrigação para com a Pátria. Embora ele estivesse cumprindo seu dever, não pude me conformar, porque fiz ver a ele meu direito. Ele não gostou nadinha de minha reação, ficou bravo, mas titubeou indeciso. E não teve como. Então, para me castigar, obrigou-me a apresentar-me noutra cidade bem distante, em lugar incerto e não sabido… (Lins).

E lá fui eu, jovem inexperiente, ainda indignado, saindo de casa pela primeira vez. E no quartel, sentado num canto, encostado numa parede, enquanto faminto devorava um sanduiche de mortadela no aguardo da convocação, fiquei vendo os soldados a marchar de um lugar para outro, a parecer que sem sentido e sem finalidade alguma. O que não entendi. Mas depois de haver prestado o juramento à Pátria, fui dispensado e recebi algum tempo depois o certificado de reservista de terceira categoria.

Não que eu tivesse sido um cara indisciplinado, mas hoje penso que talvez deveria ter cumprido o serviço militar obrigatório, para que minha vida pudesse ter sido ainda mais cívica, seguindo o exemplo de meu pai que serviu o Exército em Campo Grande. E sempre que se tocava nesse assunto em casa, ele se recordava com saudade do tempo em que lá passou, pelo companheirismo, pelo esprit de corps, pela amizade que desfrutou com seus colegas de todas as classes sociais, pelo espírito cívico e patriótico que possuiu e que sempre transmitiu a seus filhos.

Durante toda minha vida tive contato com alguns militares, tanto os do Exército, como os da Polícia Militar devido à minha antiga profissão. Respeitava-os como respeito-os até hoje, porque neles percebia um profundo amor e dedicação à Nação, não apenas pela participação que a antiga Força Pública de São Paulo teve na Revolução Constitucionalista de 1932, como também a que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica tiveram na luta contra o nazismo e o fascismo na Segunda Guerra Mundial, quando desembarcaram com os aliados na Itália, formando a Força Expedicionária Brasileira. E isso em plena ditadura de Getúlio Vargas, no Estado Novo.

E li muito sobre guerras e militares. Sobre a expedição do Marechal Rondon na pacificação dos índios, na viagem que fez com o ex-presidente dos EUA, Theodore Roosevelt no interior do Mato Grosso; sobre a Segunda Guerra, na revista Em Guarda; as Memórias de Churchill; de Max Hastings, no O mundo em guerra 1939-1945; a Marcha da insensatez, da jornalista e historiadora Barbara W. Tuchman e, mais recentemente, as Crônicas da Guerra na Itália, de Rubem Braga, jornalista, escritor, considerado o mestre da crônica, quando correspondente da guerra do Diário Carioca, um jornal do Rio de Janeiro.

Onde diz que a FEB somava 25.334 homens e onde na Itália morreram centenas de pracinhas, milhares ficaram feridos, até voluntários, soldados de todos os Estados e de todas as classes sociais e níveis de cultura, tudo em defesa da Democracia. Heróis.

Por isso, quando hoje percebe-se um preocupante e interesseiro movimento político ideológico radical, exacerbado pelas redes sociais, que tenta se aproveitar do profundo amor à Pátria que possuem os militares, para que estes se desviem de suas nobres e tradicionais funções, de respeito à Constituição e às instituições, é preciso que eles não se deixem levar pelos melodiosos e malévolos cantos de sereia e que os homens de bem se unam em favor do Estado Democrático de Direito. Sempre.

Termino esta crônica com as sábias e proféticas palavras de Rubem Braga: “É preciso que o nazista não volte. Porque ele pode voltar com outro nome, na Alemanha ou fora da Alemanha. Ele pode brotar outra vez do chão — na Europa, ou na Ásia, ou em nossa América”.

“O fascismo é uma praga difícil de exterminar. É o preço que os povos pagam pela própria desídia. É a defesa frenética dos privilegiados. E contra ele só há um remédio verdadeiro: conquistar e manter a todo custo a liberdade do homem, e só há liberdade entre os homens quando cada um vale pelo seu trabalho — e não pelo seu nascimento nem pelos seus privilégios. Ninguém se iluda: acabar com as injustiças nacionais e sociais, que são o caldo de cultura do fascismo e das guerras, será uma luta muito dura, uma grande luta do povo”.

Luís Carlos Bedran, Sociólogo e cronista da Revista Comércio, Indústria e Agronegócio de Araraquara e do RCIARARAQUARA

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